As compras públicas de inovação voltaram à pauta da Câmara de Tecnologia. O grupo reuniu nesta terça (18/06) especialistas para um painel em que foram abordados os principais desafios para alavancar a temática, além de apresentar casos de sucesso existentes no estado.
Para o diretor do INOVUERJ José Brant, quem trabalha na administração pública enfrenta o desafio diário das compras públicas.
“Temos a legislação federal vigente e estamos aguardando a homologação de lei estadual de inovação. O ecossistema de inovação que temos aqui na UERJ inclui programas estruturantes e incubadoras, que enfrentam grandes desafios, principalmente quando recebemos recursos vindo das agências de fomento e quando se lida com a importação de equipamentos. É exigido uma quantidade enorme de documentos para cumprir a legislação, seja para a compra de uma caneta ou um microscópio de última geração e você tem que aplicar as mesmas métricas para a aquisição desses dois bens”, observou.
Brant citou a proposta do governo federal de mudanças nas licitações em que o foco deixou de estar no objeto em si na licitação e passou a estar na aplicação e no objetivo final do uso.
“É uma visão interessante, mas que ainda precisa ser implementada na realidade dos órgãos públicos com quebra de paradigma. Na UERJ, temos trabalhado junto à Procuradoria da universidade para construir kits de documentos que atendam a legislação, o que é bom para todos, porque o pesquisador não tem tempo para levantar essa papelada sozinho. Também estabelecemos procedimentos para que os contratos e convênios de inovação já estejam compreendidos pelo Procuradoria”, relatou.
Durante o encontro, o economista e assessor especial da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), André Rauen, afirmou que já existe um amplo conjunto de instrumentos previstos nos diferentes marcos legais para as compras públicas de inovação, porém, ainda há desconhecimento destes dispositivos por parte das procuradorias e agentes de direito.
“Os instrumentos existentes resolvem as questões do ponto de vista da insegurança jurídica, mas eles são pouco conhecidos. Isso significa que ainda estamos ainda presos no paradigma da famigerada Lei nº 8.666, que não existe mais, e foi substituída pela nova lei de licitações (Lei nº 14.133)”, pontuou.
Rauen destacou que, com o tempo, o grupo envolvido no desenvolvimento na nova legislação de licitações percebeu que não bastava que a lei fosse ousada e previsse várias novidades, mas era necessário que as pessoas entendessem o que constava nela. Foi escrito então um livro sobre compras públicas, lançado pelo IPEA. Porém, isso também não foi o suficiente e criaram, então um curso online e gratuito, disponível no site da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) para explicar o que constava na publicação.
“Chegou uma hora que a gente se tocou que não bastava prever na lei, não bastava explicar, não bastava treinar porque o agente público está envolto em outras coisas, não tem uma estrutura e a rotina administrativa é muito pesada. Então a gente tinha que dar um passo além. Então, eu vim para a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e criei o Escritório de Apoio às Compras Públicas para Inovação”, detalhou.
Segundo Rauen, o Escritório tem duas vertentes, uma delas é a Plataforma de Compras Públicas para Inovação (CPIN), que é gratuita e aberta ao público, e tem como objetivo impulsionar as instituições públicas a mudarem radicalmente os paradigmas existentes por meio da incorporação de novas soluções (https://inovacpin.org/). A iniciativa é fruto de uma parceria entre o Tribunal de Contas da União (TCU), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), com apoio do Instituto Tellus, que é uma organização do terceiro setor. A ferramenta foi concebida para apoiar gestores públicos no processo de aquisição de produtos, processos e serviços inovadores.
“Essa plataforma ajuda o gestor público a escolher o instrumento de compra pública para inovação mais adequado para cada caso. Ela traz um quiz que, conforme as respostas dadas, vai dizer qual é o melhor instrumento que o agente público deve usar. Ela oferta os templates de com exemplos de contratos parecidos com o que o gestor quer fazer. Essa plataforma é a guardiã das boas práticas e das boas experiências, ela vai oferecer modelos de uma encomenda tecnológica do próprio TCU ou do Supremo Tribunal Federal, um contrato público de solução e é só copiar e colar trocando o objeto e os requisitos”, explicou.
O CPIN apresenta ainda uma Biblioteca Virtual, por meio da qual o usuário poderá acessar links e documentos em diferentes formatos.
Outra frente de trabalho do Escritório de Apoio às Compras Públicas para Inovação é o Hubtech, uma equipe que auxilia órgãos públicos e empresas de economia mista a conduzir todas as fases de uma ETEC, auxiliando a planejar a contratação, identificando e avaliando a presença de risco tecnológico, assessorando na seleção de fornecedores, e definindo as melhores estratégias de remuneração contratual.
“Muitos dos serviços são gratuitos. Em geral, a gente revisa minuta e ajuda a definir o problema. Fazemos o que os administradores públicos não têm tempo e costumo dizer que é um trabalho de assessoria e consultoria efetivo e não uma consultoria que te entrega um PowerPoint Ajudamos com a segurança jurídica e com os instrumentos que temos hoje para comprar inovação. Estamos disponíveis para ajudar nos problemas mais chatos e menos intelectualmente nobres, mas que são os que travam as canetas e que fazem o apagão delas ser tão onipresente no Brasil”, comentou.
De acordo com Rauen, o Hubtech vem atuando para auxiliar nas compras de inovação, recentemente a Petrobras realizou 11 encomendas tecnológicas e está fazendo 20 CPSIs, assim como está em curso uma grande encomenda para os Correios, outras para a Prefeitura de Maricá e Niterói e também para o estado de Pernambuco.
“Acho que esse trabalho pode mudar muito o a inovação no Brasil. Estamos precisando desse impulso nas compras porque a burocracia ainda é um tormento para gente. Precisamos avançar rapidamente nessas questões”, afirmou o diretor executivo do Parque Tecnológico da UFRJ, Romildo Toledo, que participou do encontro.
Na ocasião, ele apresentou um pouco do trabalho do Parque, um ambiente de inovação dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que visa promover a interação entre a universidade e as empresas para erar conexões que potencializem a transformação do conhecimento em inovação e contribuindo para o desenvolvimento sustentável da sociedade.
“O Parque Tecnológico do Rio de Janeiro ocupa uma área de 350.000 m2 na Ilha do Fundão e conta várias com empresas-âncoras. Usamos o ecossistema da UFRJ, a maior Universidade Federal do país, com um capital humano enorme com 60.000 alunos de graduação e 15.000 alunos de pós-graduação. É um ambiente muito propício para receber empresas de vários portes para o desenvolvimento de novos negócios. Recentemente iniciamos muitos projetos tripartites entre empresas, academia e startups juntas, um modelo novo que pode beneficiar muito o país, acelerando o desenvolvimento econômico”, disse.
Casos de Sucesso
Uma das empresas de sucesso situada no Parque Tecnológico da UFRJ é a Lembobs, a primeira startup a assinar um contrato público baseado no novo Marco Legal das Startups com um contrato de quase R$ 6 milhões com a Petrobras. Fundada em 2016, a Lemobs cria soluções tecnológicas para a administração pública voltadas para a transformação digital com o foco no cidadão.
“Nosso time tem a vocação para desenvolver soluções de impacto para governos. Nascemos de uma spinoff de um programa dentro dos laboratórios da COPPE, que foi o programa Lixo Zero, executado na prefeitura do Rio até chegar ao primeiro contrato do Brasil sobre o Marco legal das Startups. Hoje, atuamos em diversas áreas como alimentação escolar, saúde e zeladoria e temos vários destaques nacionais e também internacionais e temos usuários espalhados em mais de 1000 cidades, impactando diretamente mais de 1 milhão de pessoa”, contou o CEO da Lemobs, Sérgio Rodrigues.
Um dos destaques da empresa é a plataforma Alimentação Escolar Inteligente, que gera automaticamente cardápios para merenda escolar, com base nas necessidades nutricionais e no estoque do governo e que foi premiada em 2022, na COP27.
Na reunião também foi apresentado o trabalho do INOVA MPRJ, Laboratório de Inovação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, uma estrutura criada em 2019, no âmbito da subprocuradoria de Planejamento do Ministério Público e vinculada à Procuradoria Geral de Justiça do MP.
“Temos a missão de estimular a transformação digital fora e dentro do Ministério Público, muito com essa lógica de mudança de cultura, além de incentivar a colaboração intersetorial em diversos tipos de projetos em que o MP pode apoiar a sociedade civil e outros atores no processo de transformação digital de inovação”, afirmou o líder de projetos do INOVA MPRJ, Leonardo Santanna. Ele mencionou que o INOVA MP atua em duas frentes. Além de apoiar o poder público para que ele possa contar com a colaboração externa de agentes relacionados ao ambiente de inovação, como startups e empresas de base tecnológica, eles oferecem suporte para que outros órgãos criem os seus próprios laboratórios de inovação. Resolver os próprios desafios institucionais se conectando com o ambiente privado de inovação também é uma das frentes de trabalho do Impacta, programa do Laboratório que abre espaço para a construção colaborativa de soluções inovadoras para o MPRJ. Em sua primeira edição, o programa envolveu a busca por soluções para nove desafios unindo o conhecimento de quem entende os desafios da Instituição – os integrantes do MPRJ – junto de indivíduos e empresas, principalmente startups, que possuem expertise e ferramentas inovadoras, com potencial para solucioná-los.
“Temos muita preocupação em dar ênfase para a fase de definição dos desafios porque na inovação aberta o problema está no lugar da solução. Isso dá muito mais muito mais liberdade para a administração pública se preocupar em definir bem aquilo que ela precisa contratar. Então, criamos um método próprio de definição desses problemas internos, olhando para o planejamento estratégico do Ministério Público. Também fizemos consultas públicas para saber a opinião da sociedade fluminense em relação aos problemas mais graves que o Ministério Público deveria colocar à disposição da iniciativa privada para contar com soluções inovadoras”, frisou.