Um marco legal para empreendimentos do bem

A carta que os Correios não entregam nos becos e vielas das favelas do Rio de Janeiro agora chega aos moradores de seis comunidades por meio do Carteiro Amigo, empresa que as recolhe e leva até as casas cobrando uma taxa mensal. Uma empreendedora faz sucesso produzindo sapatos a partir da fibra do coco e outra organiza a venda de artesanato e produtos orgânicos oriundos de agricultura familiar de Xerém. Estes foram apenas alguns dos exemplos de empreendimentos de impacto social e ambiental apresentados nesta terça-feira (17/09) durante o seminário “A importância do Marco Legal para o desenvolvimento dos negócios de impacto no Rio de Janeiro”, realizado no Plenário Barbosa Lima Sobrinho, no Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa, pelo Fórum de Desenvolvimento do Rio. O debate precedeu a entrada em pauta do Projeto de Lei 997/2019, de autoria do deputado Andre Ceciliano, que cria a Política Estadual dos Investimentos e Negócios de Impacto no Estado do Rio de Janeiro, durante sessão plenária na parte da tarde. "Temos nas diversas cidades fluminenses vários empreendedores que, insatisfeitos com a realidade que os cercam, tentam conciliar a vontade de mudar as coisas a partir de seu trabalho e dos negócios que desenvolvem. O que estamos fazendo hoje, aqui na Alerj, é olhar para eles e reconhecer que podemos, ao direcionar a construção de políticas públicas para estes negócios, impulsionar uma nova forma de produzir no estado do Rio. O projeto recebeu duas emendas que não impactaram na sua forma e voltará a discussão na quarta-feira (25/9). Ele tem um alcance social imenso e fará do Rio de Janeiro um estado pioneiro na construção de uma política que fomente esses negócios", afirma o autor deputado Andre Ceciliano (PT).   

Segundo o secretário de estado de Desenvolvimento Econômico, Emprego e Relações Internacionais, Lucas Tristão, o governo não cria empregos, mas tem como função a criação de um ambiente favorável e amigável ao desenvolvimento dos negócios. “O Rio concentra 11% de todos os negócios de impacto do país fomentando o empreendedorismo no estado e resolvendo problema sociais e ambientais. Também queremos criar um centro de desenvolvimento de startups (novas empresas de tecnologia) para contribuir com esse processo aproveitando o potencial do estado”, explicou o secretário.

Para o gerente de Desenvolvimento de Normas e Investimentos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Claudio Maes, o “impacto social é o novo mainstream do mercado de capitais”.  “Em março de 2018, a Vivenda, uma companhia que se dedica a financiar reformas de pequenos negócios e pequenas moradias em comunidades na Cidade de São Paulo, fez uma emissão de cinco milhões de debêntures (títulos corporativos de dívida que a empresa emite, em troca de pagamento de juros, para financiar algum projeto). Esses cinco milhões de reais foram tomados em poucos dias, exclusivamente pelos clientes do segmento do Private Bank do Itaú. Ou seja, clientes ricos do Itaú financiaram reformas em pequenos negócios e moradias em comunidades na Cidade de São Paulo”, contou.

Maes ainda destacou que os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 da ONU, podem ser alcançados com a promoção de um ambiente institucional e normativo favorável. “Está no relatório da ENIMPACTO que é dever do Estado promover negócios e investimentos que sejam capazes de promover simultaneamente retorno social e impacto financeiro”, lembrou. 

Em 2017, o governo federal criou a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO) por meio do decreto presidencial 9.244/17, buscando aumentar o número desse tipo de negócios, ampliar o volume de capital direcionado para impacto, fortalecer as organizações intermediárias e promover um ambiente institucional e normativo favorável. A Estratégia reúne governo, iniciativa privada, terceiro setor e sociedade civil e está ligada ao Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação. A ENIMPACTO é considerada um marco por seu pioneirismo e tem como objetivo a constituição de uma estratégia de articulação e promoção de um ambiente favorável ao desenvolvimento de negócios de impacto e das finanças sociais, capaz de gerar soluções de mercado para os problemas sociais e ambientais brasileiros. Entre as instituições que fazem parte da ENIMPACTO estão o Sebrae e o BNDES.

O Rio de Janeiro teve a primeira Fundação de Amparo à Pesquisa do Brasil a lançar um edital que beneficiou empreendimentos de impacto assim como organizações que ajudam os negócios de impacto. “Foram contempladas cerca de 15 organizações de impacto do estado, inclusive cooperativas e organizações que trabalham com mulheres na construção civil com 1,5 milhão de reais”, contou a assessora da diretoria de Tecnologia da Faperj, Ruth Mello.

Um levantamento da Pipe Negócios Socias, plataforma que conecta negócios com quem investe e fomenta o ecossistema de impacto no Brasil, aponta que os empreendimentos deste tipo no país concentram-se mais nos setores de tecnologias verdes, cidadania, educação, saúde e serviços financeiros, sendo 62% deles estão localizados no Sudeste. Sobre as necessidades desses empreendedores, o que eles mais precisam é dinheiro, seguido por mentoria, comunicação, parcerias e networking. Porém, atualmente os negócios de impacto reproduzem a estrutura das startups com empreendedores homens, entre 30 e 44 anos. As mulheres estão mais à frente dos pequenos negócios. “Acreditamos que esse quadro pode ser menos concentrado se tivermos um ecossistema de apoio estadual fortalecido, que aumente as oportunidades para todos”, afirmou a coordenadora de Comunidade do Sebrae, Carla Panisset, que citou o exemplo da aceleração que a entidade fará com o Cieds exclusivamente para jovens de favelas que possuem um negócio de impacto no estado. “O PL proposto pela Casa está ancorado nas melhores legislações brasileira de apoio ao setor. Se aprovado, tornará o Rio em um dos protagonistas no apoio à inovação social, via mecanismos de mercado, buscando construir uma sociedade mais sustentável e equânime”, completou.

“Os negócios sociais surgiram em 2000 no Reino Unido e chegou ao Brasil em 2014. O BNDES não poderia ficar de fora dessa discussão e coordena um dos eixos da ENIMPACTO que trata da ampliação da oferta de capital por meio de novos instrumentos financeiros. A gente sai da filantropia, doação de recursos não reembolsáveis para falar de negócios que têm a intenção clara de resolver problemas sociais e ambientais. É uma boa saída para esse momento em que as demandas sociais são cada vez mais frequentes e os recursos cada vez mais escassos, trazendo soluções inovadoras”, disse a chefe do departamento de Gestão Pública de Municípios e Inclusão Produtiva do BNDES, Daniela Arantes.

Segundo o fundador e CEO da Sitawi Leonardo Letellier os negócios de impacto social e ambiental já movimentam mais de US$ 502 bilhões no mundo enquanto no Brasil o investimento ficou em US$ 343 milhões. “O número é pequeno ainda para o país, mas está crescendo a cada ano e o marco legal vai contribuir para isso. As novas gerações querem trabalhar em empresas com propósito e também investir o dinheiro nelas”, afirmou.

Para ter acesso à transcrição do evento na íntegra, basta clicar aqui.

Para ler a reportagem produzida pela Comunicação Social da Alerj clique aqui.

Para assistir à reportagem da TV Alerj, clique aqui.

Para ler as apresentações de hoje, basta clicar no nome do palestrante abaixo:

Sila Vieira da Silva - Carteiro Amigo

Ivi Felix – Mantiquira Mercado Local

Aira Luana Nascimento – As Josefinas – Colab & Espaço Cultural

Cynthia Tello – Joya da Terra

Leonardo Letelier - Sitawi Finanças do Bem

Claudio Maes - CVM

Ruth Mello - Faperj

Rachel Karam - Sistema B