Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Regional, cerca de 30 milhões de imóveis no Brasil não possuem escritura ou qualquer documento que comprove sua titularidade. No Rio de Janeiro, mais de 60% estão na irregularidade. No Rio em Foco que vai ao ar nesta segunda-feira (02/09) às 22h, na TV Alerj (Canal 12 da Net/Claro) o economista Marcelo Neri , professor da FGV, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, fala sobre qual o melhor caminho para implantação de políticas voltadas à formalização dessas propriedades.
“Em primeiro lugar, a moradia é o principal ativo físico, incluindo aí ativos financeiros, das famílias”, explica Marcelo Neri. Segundo ele, na Austrália 65% das riquezas das pessoas vêm da moradia. Nos Estados Unidos esse percentual é de 40% e na França de 50%. “No Brasil, o valor histórico também está próximo de 50%. Ou seja, é um ativo muito importante, mas quando não está regularizado, ele não pode ser usado plenamente”, afirma. Segundo ele, ao regularizar a propriedade, o governo não só reconhece o direito de propriedade do cidadão, como também dá um ganho de capital para as famílias, permitindo que seja usado no mercado financeiro ou de crédito, como garantia.
Para Marcelo, o direito de propriedade possui também um valor subjetivo para as pessoas. “O que as pesquisas mostram é que as pessoas que têm casa própria reportam níveis de felicidade muito maiores. Então é um direito, e isso traz bem-estar”, diz Marcelo apontando ainda que a regularização adiciona um terceiro elemento na geração de renda. “Se eu pegar os trabalhadores “por conta própria” aqui no estado do Rio, 21% deles fazem negócios dentro de suas casas. É o local de trabalho”, lembra o economista: “e quando você vai ver isso para as mulheres, as mães que tem pequenos negócios, isso ainda é maior, em torno de 38% a 40%. Então eu diria que é um canal privilegiado de geração de renda, porque em muitos casos, o negócio e a moradia se confundem”.
Criada em 2017, a Lei Federal de Regularização Fundiária tem buscado agilizar a formalização de propriedades, simplificar processos relacionados a registros de lajes, distribuição de títulos rurais, dentre outros aspectos. Ela também transfere aos municípios algumas responsabilidades. “Essa é uma política interessante porque o papel do estado é no sentido de reconhecer o valor, o direito de propriedade, então não entra impacto fiscal”, diz Marcelo. Como as despesas operacionais por parte do estado são relativamente pequenas, a Lei pode ajudar a ampliar o percentual de arrecadação tributária de estados e municípios. “É uma política que não implica em custos fiscais e ela pode aumentar o valor da base de arrecadação de maneira substantiva, beneficiando municípios”, diz Marcelo Neri.
De acordo com o economista, o valor de uma propriedade não é influenciado apenas pela titulação, mas também pelas políticas públicas (saneamento, segurança, educação, transportes) diretamente relacionadas a ela. “Uma política de segurança, serviços públicos, boas escolas, tudo isso valoriza a propriedade e não só dá um grande capital para as famílias, em um combate estrutural da pobreza, mas em um certo sentido melhora a carga tributária de um município com cobranças de IPTU, ITBI. É um jogo de ganha-ganha”, afirma.
Durante a entrevista Marcelo cita casos bem-sucedidos de Regularização Fundiária no Peru e em Porto Rico. “Tem experiências em São Paulo também, mas eu ainda gostaria de ver alguma coisa implementada no Rio”, diz. Ele argumenta que muito mais do que um número expressivo de cases de sucesso, os processos têm gerado uma literatura muito interessante. “Caso do livro 'Mercados Radicais: Reinventando o Capitalismo e a Democracia para uma sociedade mais justa', dos americanos Eric Posner e Glen Weyl”, diz. O livro começa descrevendo como a ideia foi inspirada na situação da cidade do Rio de Janeiro. Um dos autores passou férias aqui e percebeu que a receita desigualdade social, corrupção e modelo econômico não estava sendo nada eficiente – de qualquer ponto que se queira analisar – mas especialmente do ponto de vista econômico. Porém, nenhuma “nova ideia” seria capaz de resolver as questões observadas aqui, mas exatamente iguais em diversas partes do mundo. Como contraproposta aos modelos de academia, a proposta de Posner e Weyl busca se afastar da dualidade direita/esquerda, ao mesmo tempo em que tenta encontrar uma saída que aumente a eficiência econômica e a alocação de recursos e reduza a desigualdade.
Para Marcelo, existem diversas modalidades no processo de regularização que deveriam estar sendo testadas antes de o governo partir para acertar numa alta-escala. “E o melhor lugar para se tentar uma experiência dessas é Manguinhos. É uma comunidade com muitos problemas de violência, onde 70% das moradias não são legalizadas, mas tem mais associação de moradores que a Rocinha ou o Complexo do Alemão".
A partir dessa terça-feira (03/09), o programa estará disponível no canal do Fórum de Desenvolvimento do Rio no YouTube. Na TV Alerj, as reprises serão exibidas no sábado (07/09), às 17h, e domingo (08/09), às 20h.