Estudos apontam que 65% das crianças que estão hoje na escola primária irão trabalhar em empregos ainda não existentes, o que exige uma urgente ação de adaptação de toda a sociedade e, principalmente, das escolas. Antecipar e abordar os impactos da quarta Revolução Industrial sobre a educação foi o foco da Terceira Conferência Internacional sobre o Futuro da Educação, realizada entre os dias 12 e 14 de novembro, no Rio de Janeiro. O evento contou com a participação de renomados especialistas nacionais e internacionais no tema, que afirmaram não saber ainda ao certo qual o modelo ideal de educação para esses novos tempos, numa sociedade em rápida transformação, interconectada e cada vez mais complexa que está emergindo no século XXI, porém, foram unânimes em afirmar que não é nenhum existente hoje.
As novas tecnologias podem eliminar mais de 7 milhões de empregos até 2020, mas também irão surgir novas oportunidades de empregos, que exigirão uma mão de obra mais qualificada. Diante deste cenário está uma grande oportunidade de se investir na capacitação dos jovens para as novas carreiras que estão por aparecer.
“É preciso uma quebra de paradigmas na educação que exigirá novas estruturas curriculares com impactos na articulação do ensino médio e das universidades com o setor produtivo e na formação de novos perfis de profissionais, além da necessidade de requalificar os professores com mecanismos de educação continuada para que eles possam contribuir com esse processo”, afirmou Paulo Alcântara, diretor acadêmico da Faculdade Cesgranrio.
O papel do professor neste processo foi outro tema muito debatido no primeiro dia do evento. Segundo José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, em Portugal, o professor terá que abandonar o papel de detentor do conhecimento para se transformar em um “facilitador e inspirador do conhecimento”. O aluno passa a ser o protagonista na aprendizagem e não simplesmente consumidor de informação.
No painel sobre educação e empreendedorismo, o diretor de tecnologia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Maurício Guedes, ressaltou que no Brasil as atividades de pesquisa estão concentradas hoje nas universidades públicas, enquanto as empresas investem pouco nessa área e não contratam mestres e doutores. Para ele, de nada adianta ter diversos estudos na saúde se o que a população precisa é de uma vacina no mercado, o que não é papel da universidade fazer, exemplificou.
“O Rio de Janeiro tem uma das maiores comunidades científicas do país, mas essa produção acaba não se transformando em negócios, emprego e renda. Um dos nossos desafios é transformar conhecimento em produtos inovadores, para isso precisamos criar um ambiente adequado. As universidades são fundamentais, assim como empresas e o papel do governo, mas só conseguiremos fazer isso se todos esses atores, incluindo o legislativo, estiverem articulados em torno dessa missão”, afirmou Guedes.
O segundo dia trouxe debates sobre aspectos que também impactam diretamente no setor, como os sistemas de avaliação, a formação de professores, os processos interdisciplinares e a importância das condições socioeconômicas na busca por um ensino de qualidade e equitativo.
Novas tendências
No painel sobre a visão de futuro, o chanceler da Universidade Estácio de Sá, Ronaldo Mota, apresentou um panorama sobre as habilidades e competências exigidas a partir do surgimento das tecnologias digitais em um cenário metacognitivo e de profundas transformações.
“Saímos de um passado simples e fragmentado, que podia ser compreendido do ponto de vista analógico, cognitivo e estamos indo rapidamente para uma realidade que é muito mais complexa e que só pode ser entendida do ponto de vista da sua totalidade”, explicou Mota. De acordo com ele, o momento exige um aspecto muito mais multi e transdisciplinar.
“Tínhamos um modelo baseado, no ponto de vista pedagógico, em abordagens teóricas e temas abstratos, e hoje caminhamos em direção a um modelo de soluções de problemas, envolvendo muitas vezes técnicas de modelagem e simulação. Tínhamos uma avaliação fundamentada essencialmente em testes individuais, e hoje seguimos para um processo avaliativo que tende a supervalorizar a capacidade que cada indivíduo tem de trabalhar em equipe, de concluir um projeto ou missão”, exemplificou o representante da Unesa.
A conselheira do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, defendeu a necessidade de um ambiente escolar mais inovador e provocador e, também, mais atraente. “Precisamos mudar a questão simbólica da profissão que está muito desvalorizada, além da remuneração”, destacou Castro, que falou sobre os novos desafios da formação de professores para o ensino básico e reforçou que o docente é o fator de maior peso na determinação do desempenho dos alunos.
“As pesquisas mostram que a tendência são laboratórios virtuais, pedagogia baseada em projeto, novas metodologias ativas, aprendizagem colaborativa, pedagogias interativas e avaliação em tempo real, mas nossos professores infelizmente não estão preparados, porque são malformados”, ressalta a conselheira.
De acordo com o reitor da Universidade Mackenzie, Benedito Guimarães Aguiar Neto, a maior dificuldade hoje para o educador é conseguir se situar em um contexto tão conectado, de uma sociedade organizada em rede. Para ele, os docentes da atual geração podem ser considerados imigrantes digitais. Ou seja, estão aprendendo a linguagem, as formas de comunicação, a convivência dentro de um espaço que não é deles. “Embora eles se apropriem dessas novas tecnologias para se inserir neste universo, o que eles precisam é de uma atualização pedagógica, é a forma de pensamento e interpretação de como hoje o conhecimento é gerado, construído e apropriado. Esse é o grande desafio”, pontuou.
Se por um lado as novas tecnologias aceleram o desenvolvimento de processos e ampliam as formas de aprendizado, por outro elas também contribuem para a criação de uma cisão entre aqueles que possuem ou não acesso a elas, como destacou a coordenadora do setor de educação da Unesco no Brasil, Maria Rebeca Otero Gomes. Ela ressaltou a necessidade de investimentos, recursos e principalmente análise dos dados socioeconômicos para enfrentar a realidade.
“Esses fatores associados são essenciais para que possamos melhorar a educação, senão, teremos duas educações: a do mundo desenvolvido e a do subdesenvolvido; a dos países europeus e alguns asiáticos e a da América Latina e África. Não adianta eu ter nanotecnologia e inteligência artificial de um lado, porque do outro eu vou ter a violência, as migrações, as mudanças climáticas e isso é fruto dessa educação que nós queremos melhorar”, defendeu a coordenadora da Unesco.
Desenvolvimento Sustentável e educação
Outro tema bastante abordado por diversos palestrantes foram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da ONU, em especial, o quarto, que prevê “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”. A diretora da Unesco do escritório de Quito, Saadia Beatriz Sanches Vegas, enfatizou a importância de um envolvimento geral das nações, pois trata-se de uma agenda civilizatória, uma ferramenta de transformação que deve ser seguida por todos, não apenas pelos governantes.
“A agenda de 2030 é um caminho compartilhado para o desenvolvimento sustentável que coloca a responsabilidade em todos os cidadãos do mundo como um agente de desenvolvimento e transformação. Para cada cidadão corresponde uma cota de responsabilidade ética e política”, defendeu Vegas.
O professor Emérito da Universidade de Tel Aviv, Yehuda Kahane também citou os ODS e lembrou que esta é a primeira geração que tem a clara noção do valor da natureza e do enorme impacto que ela vem sofrendo, ao ponto de poder ser também a última a agir para reverter esta tendência. Para ele, os tomadores de decisões deveriam ser menos imediatistas, pois só pensam em curto prazo, e consideram 2030 ainda muito distante. “Perde-se tanto tempo com coisas insignificantes. É necessário mudar a forma de se pensar e de nos organizar”, refletiu.
O Seminário “Perspectivas da América Latina" foi organizado pela World Academy of Art and Science (WAAS) em parceria com o Ministério da Educação, UNESCO - Brasil, Fundação Cesgranrio, Academia Brasileira de Educação, World University Consortium (WUC) e a Associação Internacional de Presidentes de Universidades (IAUP).
Clique aqui para acessar os vídeos da transmissão do primeiro e segundo dia de evento:
1o dia:
2o dia: