O Brasil é o principal país da América Latina em parceria com a China, no que envolve investimentos e relações comerciais. No último ano, os chineses investiram cerca de US$ 21 bilhões em projetos dentro do território brasileiro, o dobro dos Estados Unidos. Sendo foco de aproximadamente 50% de todos os investimentos da China na América do Sul, com destaque para a área de energia, o Brasil apresenta um grande volume de negócio com os chineses. No entanto, o investimento poderia ser maior, sobretudo em obras de infraestrutura, tendo em vista que os chineses já anunciaram a vontade de injetar cerca de R$ 32 bilhões em projetos relacionados a logística, agroindústria, tecnologia e telecomunicações.
Considerado como um entrave nas negociações entre os países, o sistema jurídico brasileiro é apontado pelos chineses como complexo. Dessa forma, a não compreensão jurídica impede um maior relacionamento entre os países, principalmente, na questão da mediação e arbitragem para solução de conflitos. Com o intuito de discutir e encontrar soluções para o tema, o Núcleo de Estudos Brasil-China da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) promoveu o evento “Iniciativa Brasil-China: investimentos chineses no Brasil e o papel da arbitragem, da mediação e dos meios online de solução de conflitos”, no dia 16/05, no Centro Cultural da FGV.
O evento foi realizado em parceria com a China International Economic and Trade Arbitration Commision (Cietac) – Comissão Internacional de Arbitragem Econômica e Comercial da China –, com o apoio da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem e outros representantes comerciais de Brasil e China. Os convidados falaram sobre a relação entre os países, as principais diferenças das culturas jurídicas e os diferentes modelos de arbitragem adotados. O vice-cônsul geral da China no Rio de Janeiro, Chen Xiaoling, ressaltou a importância da “Iniciativa One Belt One Road”, projeto de cooperação econômica entre a China e outros 60 países. No Brasil, essa forma de atuação atinge grandes projetos de infraestrutura, e só no Rio de Janeiro são mais de 40 empresas beneficiadas, gerando e mantendo empregos.
“É o quinto ano da iniciativa, que é a rota da seda da China pelo solo e pelo mar, com o objetivo de desenvolver propostas para melhorar o desenvolvimento econômico em outros países. Na América Latina, Brasil, Venezuela, Argentina e Peru estão incluídos na plataforma. A China aumentou a relação com esse continente e o Brasil se destaca por ser um dos principais destinos dos chineses, desenvolvendo parcerias na demanda por infraestrutura, transformação econômica do país e tecnologia sustentável”, explicou Xiaoling.
Porém, a necessidade de ajustar os modelos de arbitragem em contratos e resolver as eventuais diferenças jurídicas são necessárias para alavancar a relação econômica. A Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC) inaugurou a primeira câmara de mediação e arbitragem envolvendo os dois países. Em parceria com a Cietac, os profissionais vão atender especificamente contratos entre Brasil-China. Para o presidente da CCIBC, Charles Tang, a ideia é criar prosperidade.
“A China quer ganhar mercado, ter lucro e trabalho para suas empresas. Mas também quer desenvolver os países com quais ela interage. A visão não é de guerra e sim de desenvolvimento e prosperidade. No Brasil, tivemos 21 bilhões de dólares de investimentos no ano passado, esse fato ajuda os brasileiros na atual crise econômica e consegue manter empregos”, destacou Tang.
Para o coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China e organizador do evento, Evandro Menezes de Carvalho, estabelecer um canal de diálogo com as entidades chinesas promove um benefício mútuo: “os brasileiros compreendem a visão empresarial chinesa, assim como os chineses entendem a brasileira e, dessa forma, diminui os obstáculos das negociações entre os países”.
“Os chineses têm a cultura da mediação, diferentemente de muitos países do mundo ocidental, que são mais propensos a judicialização de seus problemas. Por isso, para garantir a segurança jurídica dos investimentos, precisamos destes eventos e seminários para chegarmos a um bem comum”, avaliou Carvalho.
O presidente da Comissão de Arbitragem da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem, Marcus Faver, diz que no Brasil a justiça é lenta. A solução de controvérsias não é feita de forma rápida e não tem a existência de árbitros com expertise, para encontrar resolução e ambas as partes se conciliarem. “O processo brasileiro na justiça comum é muito demorado, longo e difícil. São recursos sucessivos e as vezes desnecessários a solução rápida de um assunto”, lamentou.
Árbitro da Cietac no Brasil e sócio do escritório Veirano Advogados, Marcos Ludwig, fez uma leitura brasileira sobre as regras de Arbitragem. Para ele, o que o Brasil deve aprender com a experiência chinesa é o incentivo a conciliação entre as empresas. “A Cietac trabalha numa expansão gradual, especialização setorial para arbitragens, desenvolvimento de mecanismos alternativos, como a arbitragem online e a flexibilização de procedimentos. Que medida nós podemos trabalhar nesse sentido para a conciliação? A oportunidade é enorme e o diálogo garante um potencial entre as relações”, ratificou.
O Rio de Janeiro apresentou o decreto nº 46.245/2018, publicado no Diário Oficial, sobre a regulamentação da adoção da arbitragem para resolver conflitos que envolvam o estado e as entidades da Administração Pública Estadual Indireta, nos termos da Lei Federal nº 9.307/1996. Para advogado do Kincaid-Mendes Vianna Advogados Associados, Lucas Leite Marques, este é um avanço para a cidade, que busca o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos e também reforça que não há restrições para árbitros estrangeiros.
“Iniciativas legislativas como essa é de grande importância. É o estado, os entes da administração pública, abrindo mão da utilização do judiciário, onde eles têm prerrogativas previstas em lei, para aceitar a condução da solução dos conflitos por mecanismo privado, como da arbitragem. É uma forma de beneficiar o ambiente para investimentos e aproximar a iniciativa privada do poder público. É um grande passo esse decreto do Rio e também a parceria entre Cietac e FGV para promover debates como esse”, declarou.
Por fim, com objetivo de fortalecer as relações entre o Brasil e a China, a Fundação Getúlio Vargas lançou no final do evento sua versão do Portal FGV em chinês. A iniciativa coloca a FGV como a primeira instituição de ensino superior do Brasil a disponibilizar um site institucional nesse idioma.