Da Copa do Mundo 2014 para os Jogos Olímpicos 2016: oportunidades e desafios no turismo e esporte

Em curto espaço de tempo, a cidade do Rio de Janeiro terá sediado dois dos principais megaeventos esportivos mundiais: A Copa do Mundo 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016. Este último está a menos de 4 meses para acontecer e uma questão é certa: em termos de turismo, ainda estamos em tempo de fazer melhorias, para que a experiência do turista e do residente seja ainda mais positiva.

A realização de um megaevento consiste em três momentos cruciais, que devem ser tratados com muito cuidado. São eles: o período do pré-evento, o evento em si e pós-evento. Podemos afirmar que o pré-evento, geralmente, é bem conturbado, tendo em vista as dúvidas, incertezas e expectativas, tanto para os residentes, como para os gestores públicos ou privados. Nesse período, a população sofre impactos em sua rotina, sejam pelas obras, pelo trânsito ou pelas diversas notícias na mídia, que geram expectativa e apreensão nos diferentes atores da sociedade.

Pelo que foi visto em 2014, o período pré-copa foi bem parecido com o que estamos vivenciando no pré-olímpico, considerando o cenário de desconfiança sobre a capacidade de se realizar mais um megaevento. A frase que mais se ouvia falar entre os residentes meses antes do campeonato de futebol era: se está assim agora, imagina na Copa! Além disso, os gastos excessivos, a má gestão financeira, o alto custo de oportunidade e as manifestações nas ruas geraram dúvida tensão e descrença. 

No período pré-olímpico esse panorama se repete e agrava-se ainda mais com as crises política e econômica do Brasil, assim como os casos de corrupção - muitos relacionados a grandes obras dos megaeventos ou, no mínimo, envolvendo empreiteiras que realizaram as principais obras de estádios e infraestrutura. Paralelo a isso tudo, surge também uma preocupação grande por parte de autoridades nacionais e internacionais, relacionada à epidemia de Zika e ao terrorismo. 

Todas estas questões contribuem para que o país e a cidade-sede não encontrem espaço na mídia para potencializar mais ainda um dos legados de se realizar um megaevento: o posicionamento da marca do destino. É importante lembrar que desde a escolha do Brasil como sede desses megaeventos, o país, e em especial Rio de Janeiro, está ainda mais em evidência, nacional e internacionalmente. Mas, tendo em vista o cenário de crise atual, esse aspecto se torna mais um desafio, e daqueles bem vulneráveis. Porém, se bem trabalhado, poderá gerar um resultado bastante positivo.  

Como mostra a literatura acadêmica, historicamente, países diversos utilizam a realização de um megaevento esportivo para fortalecer ou reposicionar a sua marca. A Alemanha é um excelente exemplo e pode ser citada como um caso emblemático: mostrou-se um país aberto e consolidou-se como um país amigo, na campanha Time to make friends. A retomada do uso da bandeira como símbolo de orgulho, de um país único, sem estar atrelado a guerras, pode ter sido um dos legados intangíveis mais especiais da Copa 2006, além, é claro, de todos os legados tangíveis no âmbito econômico e social.

No outro continente, em diferente realidade, a África do Sul também soube tirar proveito do legado da marca do destino ao realizar a Copa do Mundo em 2010, mostrando-se como um país em desenvolvimento, renovado, com investimentos estrangeiros, jovem e com maior tolerância para com as diferentes etnias. Antes, durante e após o megaevento não só o país, mas o continente como um todo colheu frutos desse reposicionamento da marca do destino. 

Mas, e o Brasil, como se comportará frente a essa oportunidade? Durante a Copa do Mundo 2014, o país ficou muito conhecido pelo seu povo hospitaleiro. Entretanto, mais o quê? Ao longo do evento, observou-se um processo pouco comentado, que de certa forma aconteceu espontaneamente, sem um trabalho estruturado de marketing. A Copa do Mundo 2014 foi certamente a Copa da família. Durante o campeonato, percebeu-se um fluxo de brasileiros aproveitando a oportunidade dos jogos para visitar amigos e parentes (tendo em vista os altos custos de hospedagem), mesmo sem ingresso para assistir às partidas de futebol. 

Esta foi certamente uma oportunidade para  estimular o turismo no país, não só para o público internacional, mas também para os brasileiros. Afinal, o residente sofre diversos impactos do evento e deseja ao menos participar da grande festa. Talvez a frase que mais se tenha escutado falar durante a Copa em 2014 tenha sido: ”se eu soubesse que daria tudo certo, teria me planejado para ir a mais jogos. Agora não acho ingresso!”Com um pré-evento conturbado, marcado por tantas manifestações e incertezas, muitos residentes ficaram receosos de fazer parte do evento. Agora é interessante pensar: se para o residente foi assim, imagina para o turista. 

A menos de quatro meses dos Jogos Olímpicos Rio 2016, algumas inquietações nos fazem refletir: Onde iremos surpreender? Qual será nosso diferencial? Em que o Brasil e a cidade do Rio de Janeiro ganharão medalha de ouro fora das competições, das arenas esportivas e dos gramados? Como maximizar os impactos positivos e minimizar os impactos negativos da realização de um megaevento esportivo? 

Certamente, a Copa do Mundo em 2014 trouxe uma série de aprendizados, que é para poucos. Por que para poucos? Porque, por sorte ou azar, o Rio de Janeiro foi cidade-sede mundial de futebol e, em curto espaço de tempo, sediará os Jogos Olímpicos. Olhando pelo lado positivo, existe um conhecimento acumulado que pode agregar esforços para o megaevento em 2016. Por mais que existam diferenças, muitas são as semelhanças. A começar pela temática do evento ser esportivo, por atrair pessoas de diversas nacionalidades, chefes de estado, por gerar uma série de transformações na cidade, entre outras. Guardadas as devidas proporções, digamos que a Copa já tenha sido um evento-teste para o próximo megaevento, pois os Jogos Olímpicos envolvem um número infinitamente maior de participantes, entre atletas, autoridades esportivas e público interessado por esporte.

Os Jogos Olímpicos têm 17 dias de duração em uma única cidade. Receberá cerca de 100 chefes de Estado, atletas de mais de 200 países. Pode-se imaginar o ambiente multicultural que será vivenciado na cidade? Em termos de turismo, quais serão os aprendizados? Onde ainda podemos nos preparar? Quais as possibilidades de roteiros e de atividades turísticas na própria cidade? Além do Rio de Janeiro, quais potenciais destinos a serem visitados? Em termos de turismo e esporte, qual trabalho está efetivamente sendo feito para que não só a cidade-sede, mas os arredores e o país como um todo usufruam das oportunidades econômicas e sociais do megaevento? E os Jogos Paralímpicos, que serão realizados em seguida? Como trabalhar mais fortemente a questão da acessibilidade e da inclusão social? 

Num momento de crise como este que o país vive, temos que pensar estrategicamente e de forma única, em equipe, para gerar postos de trabalho, oportunidades de negócios (em curto, médio e longo prazo) e favorecer para o incentivo ao esporte. Ou seja, usufruir de todas as oportunidades que esse evento pode gerar, dentro e fora das competições. Em uma palestra recente do técnico Bernardinho, o campeão olímpico reforçou a importância de cada individuo para a conquista de uma medalha, e que o campeão é aquele que dá o seu melhor quando é necessário. Brasileiros, cariocas ou não, este é o momento e precisamos nos preparar e dar o nosso melhor.  Gestores públicos e privados, este é o momento de unir forças e formar um único time, em prol de algo maior.

Mesmo com cenário adverso e com todas as contradições para se realizar um megaevento como esse, devemos retomar as origens e os propósitos dos Jogos Olímpicos; quebrar recordes e valorizar o atleta. Pois esse é o momento dele. Que o atleta seja melhor dentro das arenas e competições, e que o espectador contribua, enquanto parte da população brasileira. Para conforto ou desconforto, que fique claro, como afirmado pelo Prof. Lamartine da Costa,  que estamos fazendo os Jogos Olímpicos do passado, e no futuro não é a cidade que terá que se adaptar ao evento, mas o evento ao país ou aos países e à cidade. Mas se o passado é o nosso presente, que saibamos nos preparar para o futuro com sabedoria.

Um ponto é certo: com maior ou menor facilidade /ou dificuldade, o evento será realizado e muitos dos aprendizados da Copa do Mundo podem contribui para a experiência do turista na cidade e, em especial, para se maximizar as oportunidades geradas por um megaevento. No entanto, outro fato também é verdadeiro: muito pouco desse conhecimento acumulado da Copa do Mundo 2014 está sendo aproveitado para a realização dos Jogos Olímpicos 2016. Assim, cabe uma pergunta: Com base em que, é possível fazer essa afirmação? Esta é feita pautada em dados e pesquisas. Não é mero achismo. 

Tomemos como exemplo uma pesquisa feita entre residentes no período pré-copa em 2014. Dentre os principais aspectos negativos mais citados, destacam-se: os altos gastos, a má gestão financeira, a corrupção, obras inacabadas, os transtornos no trânsito e a falta de segurança. E esses mesmos aspectos são evidenciados durante o período pré-olímpico. Talvez um aspecto não tão em evidenciado anteriormente, tenha sido a despoluição da Baia de Guanabara. Este é um legado mais uma vez frustrado e que teria gerado um valor imensurável em termos econômicos, sociais e ambientais para a cidade do Rio de Janeiro e municípios vizinhos. 

Do ponto de vista dos aspectos positivos, os mais citados na pesquisa foram: o turismo, a visibilidade, a infraestrutura, a mobilidade e as melhorias no destino. Tendo em vista a chegada da grande quantidade de turistas e de diferentes nacionalidades nos Jogos Olímpicos, percebe-se uma oportunidade para se aprimorar ainda mais experiência do visitante. E novas tecnologias assumem uma importância primordial nesse contexto. No que tange ao esporte, são diversas as oportunidades, tanto relacionadas à base, como ao de alto rendimento. Além é claro, da diversificação de modalidades esportivas, algumas delas muito pouco praticadas no país.

Pesquisa realizada com residentes, no período pré-olímpico, aponta que 21,5% dos respondentes aumentaram o interesse por esporte no último ano. O binômio turismo/ esporte pode e deve ser mais trabalhado, antes, durante e após o megaevento. As estruturas criadas na cidade do Rio de Janeiro trazem para algumas de suas regiões, novas possibilidades para  incrementar o turismo esportivo e com isso favorecer o uso das estruturas definitivas, tanto por residentes como por turistas nacionais e internacionais.

Oportunidade ainda para o reposicionamento e a reestruturação da Barra da Tijuca em termos de turismo, e também para as regiões de Deodoro, zona sul e Centro. A própria renovação da hotelaria na cidade do Rio de Janeiro é um ganho para a cidade, mas ainda preocupante para o empresariado no período pós-olímpico: como manter a taxa de ocupação alta no destino? 

Autoridades preocupam-se com o grande fluxo de pessoas, mexem no calendário escolar e criam feriados. Mas será que tudo isso é de fato positivo para a cidade-sede? Dados da Copa do Mundo de 2014 mostram que os feriados prejudicaram a economia do município. Talvez fosse plausível pensar em horários alternativos, meio-expediente ou pelo menos, em uma estratégia que favorecesse  o fortalecimento da economia do destino e do entorno. De acordo com pesquisa realizada com turistas durante a Copa do Mundo, apenas 58,7% dos turistas internacionais e 48,6% dos turistas nacionais aproveitaram para fazer algum tipo de atividade turística no destino e somente 22% dos turistas internacionais e 18,2% dos turistas nacionais aproveitaram para visitar destinos nos arredores.

De fato, são muitos os desafios e muitas as oportunidades em curto, médio e longo prazo. Isto tudo sem falar do que ainda pode e deve ser trabalhado no contexto das Paralimpiadas,  tanto em termos de acessibilidade como no que tange a inclusão social. Que tenhamos arenas lotadas nas diferentes competições, com a participação de público brasileiro como internacional. E mais do que isso, que estejam presentes indivíduos de diferentes classes, faixas etárias e religiões, resgatando e fortalecendo os valores Olímpicos, de excelência, igualdade, respeito, superação, determinação, celebração e união. 

Que venham os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Que possamos nos repensar como sociedade. Em tempos de crise, a união é a nossa força. Que possamos caminhar na corrente contrária da politica atual e nos percebermos  como parte do processo, de uma cidade,  de um país, de uma nação. Os jogos chegaram e temos muito para mostrar do Brasil que deu e dá certo. 

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06/04/2015 – Paola Lohmann – Mestre em gestão empresarial pela FGV e graduada em turismo na UFF.

Pertence ao grupo de grupo de pesquisa em turismo, com coordenação da Prof. Dra. Deborah Moraes Zouain, da UnigranRio, juntamente com as pesquisadoras Gabriela De Laurentis e Kaarina Virkki. Atualmente é Professora substituta da Faculdade de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal Fluminense (UFF). Atuou como gestora de projetos e pesquisas em turismo na Fundaçao Getulio Vargas – FGV, ao longo de 10 anos (2005 – 2015).