Ajuste Fiscal efetivo precisa vir acompanhado de reformas, defende economista da FGV

 


A obra do inglês Adam Smith, "A Riqueza das Nações", clássico publicado em 1776, foi inspiração para o economista da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/EESP) Bernardo Guimarães lançasse em 2015 o livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”. Na obra, Guimarães trata da atual situação da economia brasileira analisando os efeitos de políticas econômicas na prosperidade do país. De acordo com o autor, “as políticas adotadas nos últimos anos tem grande responsabilidade pela crise atual. O intervencionismo estatal, a nova matriz econômica, a falta de cuidado com nosso capital são alguns dos motivos. Mas toda a crise abre espaço para o aprendizado. Políticas ruins nos trouxeram onde estamos, políticas boas podem trazer de volta o otimismo e o desenvolvimento.” Bernardo Guimarães é doutor em economia pela Universidade Yale e foi professor pesquisador da London School of Economics. Desde 2010, é professor pesquisador da FGV/EESP. Desde 2015 o economista escreve para o blog A economia no Século 21, do jornal  Folha de São Paulo.

- Em seu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI”, o senhor identifica que países verdadeiramente ricos não possuem uma fonte única de riqueza. Como o Brasil pode diversificar sua economia? 

Bernardo Guimarães: De fato, há evidências que países pobres se especializam em menos setores. A economia brasileira, porém, não é especializada em poucos setores, como por exemplo o Chile, onde o cobre responde por metade das exportações. Fala-se muito sobre o peso das commodities nas exportações brasileiras, mas há que se lembrar que as exportações são uma fatia pequena do nosso PIB (11,5%). E além de exportamos  estas commodities, que já são diversificadas (soja, minério de ferro, petróleo, café), também exportamos aviões da Embraer, carros, carne bovina, dentre outros.

- Qual o real impacto do cenário internacional na economia brasileira?

Bernardo Guimarães: Devemos nos lembrar que o PIB mundial continua crescendo entre 3% e 3,5% desde 2012. Deve ter sido assim em 2015. E, de acordo com os números que temos, é essa a previsão para 2016 também. Ou seja, o mundo continua crescendo em ritmo forte (usual para as últimas décadas, mas forte em termos históricos). Países da América do Sul como Colômbia, Peru e Chile sofrem muito mais com a queda nos preços das commodities do que o Brasil, porque as exportações de commodities desses países respondem por uma proporção muito maior do PIB deles que as nossas. A economia brasileira vai mal por conta das nossas próprias políticas. Tendo dito tudo isso, o preço baixo de produtos que exportamos é mais um problema para nossa economia – e um problema que alguns setores e locais muito mais que outros.

- Em sua opinião o que seria um ajuste fiscal efetivo?

Bernardo Guimarães: Nosso sistema tributário carece de muitas reformas: Não é particularmente eficiente, nem justo. Contudo, por conta da crise política, não creio que mudanças mais substanciais estejam na pauta.

- Que mudanças efetivas deveriam estar em pauta nesse momento? 

Bernardo Guimarães:  A crise fiscal não é simplesmente resultado do descontrole das contas públicas dos últimos anos. A carga tributária aumentou de 25% para 35% do PIB nos últimos 25 anos. Há fatores estruturais por trás disso, e um ajuste efetivo enfrentaria essa questão. Um dos fatores cruciais é a previdência. Desses dez pontos percentuais do PIB, mais de quatro correspondem a aumento de gastos com previdência. Hoje, aposenta-se, em média com 53 anos, mas vivemos cada vez mais. Então, esse gasto tende a crescer bastante. Um ajuste fiscal pode arrecadar um pouco mais ou cortar o que conseguir dos gastos (ou investimentos) para tapar o buraco por um ano, ou pode enfrentar o problema para nos colocar em uma trajetória sustentável. Outra questão estrutural diz respeito à dificuldade de cortar gastos. Estados não conseguem cortar gastos devido à rigidez que lei determina nos orçamentos estaduais (dificuldade em cortar pessoal, obrigação legal de investir em determinadas áreas e custos com Previdência Social) e a crise fiscal  resultante da arrecadação baixa de 2015 é um reflexo disso.

- Um ajuste fiscal efetivo deve vir acompanhado de quais reformas?

Bernardo Guimarães: Idealmente, de uma reforma tributária que torne o sistema tributário mais eficiente e menos complicado, mas isso não parece estar nos planos. 

- Como articular o ajuste efetivo e a atual crise política?

Bernardo Guimarães: Realisticamente, o melhor ajuste possível buscaria um corte substancial de gastos (incluindo uma reforma na previdência) e impostos que não distorcem ou distorcem pouco a economia. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), o imposto sobre os combustíveis, é um exemplo de um bom imposto, muito melhor que a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF).

- Porque a Cide é melhor do que a CPMF?

Bernardo Guimarães: Ao decidir sobre usar o carro, levamos em conta os custos (combustível, manutenção, estacionamento) e os benefícios (conforto, praticidade), mas não levamos em conta o custo do nosso uso do automóvel que incide sobre a sociedade como um todo na forma de poluição e trânsito. Um imposto que torna o uso do carro mais caro corrige esse problema. Eis o benefício de um imposto sobre combustíveis, como a Cide. A CPMF, por outro lado, torna mais caras transações entre pessoas e empresas, desestimulando a especialização e as trocas, algo que gostaríamos de estimular.

 - No livro o senhor afirma que "Continuamos cobrando impostos de atividades que gostaríamos de estimular, deixando de cobrar o suficiente por ações que queremos desencorajar." Pode citar um exemplo de como isso acontece no Brasil e como resolver este problema?

 Bernardo Guimarães: Em São Paulo, temos a lei do rodízio que proíbe carros de rodarem nos horários de pico em um dia da semana. Problemas de congestionamento existem em todas as cidades grandes, incluindo o Rio de Janeiro. Por outro lado, a produção industrial não vai bem no país e nos preocupamos muito com isso. O que fazemos? Cobramos o IPI sobre produtos industrializados, desestimulando o consumo e a produção desses, quando poderíamos cobrar mais imposto sobre o uso dos carros (ou sobre os combustíveis), pois desestimularíamos uma atividade que de fato gostaríamos de desestimular.

- Quais devem ser os critérios adotados por um governo para aplicar subsídios em setores específicos da economia?

Bernardo Guimarães: Devem receber subsídios apenas setores que geram benefícios a outros setores além do que recebem por isso. Infraestrutura é o exemplo típico.

-A lei de conteúdo local que tem impacto direto na indústria de petróleo brasileira é um subsidio equivocado aplicado por parte do governo?

Bernardo Guimarães: A lei do conteúdo local criou um mercado para empresas fornecerem equipamentos para a Petrobras – equipamentos esses que poderiam ser comprados a preços muito menores se fossem importados. A ideia era que no futuro esse aprendizado seria útil para o Brasil. A realidade está aí para quem quiser ver, mas mesmo que tivesse dado certo, ou seja, mesmo que esse setor da indústria estivesse se desenvolvido é a Petrobras que estaria pagando a conta desse desenvolvimento, ao comprar equipamentos mais caros que poderia comprar. Se estávamos preferindo importar esses produtos, é porque seria mais custoso para nós produzi-los em casa. O mensageiro da economia, o sistema de preços, nos diz que importar era o melhor negócio.

- O senhor afirma que devemos enxergar com "bons olhos" quando tecnologias afetam empregos. Por quê? 

Bernardo Guimarães: O avanço tecnológico aumenta a produção e a renda de um país – basta ver quão mais bem remunerados são os trabalhadores em países com tecnologia avançada que seus pares em países pobres. Há o medo que a tecnologia tira o emprego das pessoas, mas o progresso vive justamente da substituição de empregos ruins (que produzem pouco e pagam mal) por outros melhores (que usam muita tecnologia). A tecnologia não entra sem ser convidada. Enquanto há muita gente disposta a trabalhar por muito pouco, há pouca adoção de tecnologia. 

 (Texto de Vinícius Pereira)