Políticas de precificação do carbono podem gerar oportunidades para o Brasil, afirma especialista

 

Atribuir um preço ao carbono como forma de impulsionar uma economia mais limpa e frear o aquecimento global foi um dos principais debates da 21ª Conferência do Clima (COP 21), realizada em Paris em Dezembro de 2015. O Brasil  apresentou metas ambiciosas durante o evento, e integra o Partneship For Market Readiness( PMR), fórum criado pelo Banco Mundial com o objetivo de criar políticas de mitigação das mudanças climáticas. A cidade do Rio de Janeiro, através de sua prefeitura, é signatária do documento também lançado pelo Banco Mundial onde expressa apoio a precificação do carbono. O prefeito Eduardo Paes assumiu a  promessa de zerar as emissões de carbono até 2065. Para Lilia Caiado, coordenadora da Câmara Temática de Energia e Mudança do Clima e assessora técnica do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o governo brasileiro deve considerar a  adoção de medidas mais efetivas como “uma oportunidade de gerar desenvolvimento, uma vez que serão necessários investimentos de grande porte em infraestrutura com empreendimentos de geração de energia renovável."

 

Qual a importância da precificação do Carbono?

Lilia Caiado: A precificação do carbono gera uma transformação na lógica do mercado. Atribuir um preço às emissões de carbono faz com que as empresas, governos e a sociedade passem a incorporar esse custo ambiental aos seus custos, ou seja, a sua análise financeira. Isso corrige a falha de mercado que as emissões de poluentes representam. Quando as emissões não são precificadas, emitir é grátis e, portanto tecnologias e processos mais emissores muitas vezes são considerados mais baratos que opções de baixo carbono. A partir do momento que emitir carbono se torna um custo, tecnologias de baixo carbono, como as energias limpas, por exemplo, tornam-se mais atrativas.

Quais vantagens a precificação do carbono pode trazer para o Brasil?

Lilia Caiado: A precificação de carbono colocará o Brasil na vanguarda da transição para uma economia global de baixo carbono, através da mudança na lógica de mercado mencionada anteriormente. Muitas empresas estrangeiras que operam no Brasil já lidam com preços de carbono em suas matrizes e em outros países em que operam, e já ajustaram seus processos produtivos para opções menos emissoras. Além disso, um preço global para o carbono beneficiaria muito o Brasil, que é um país com muitos recursos para uma produção mais limpa, menos emissora, que teria muitas vantagens competitivas caso o carbono passasse a ser precificado globalmente.

A resolução da COP 21 atendeu a questão da precificação do carbono?

Lilia Caiado: Não exatamente. O texto do acordo só reconhece a precificação como instrumento eficiente para a redução de emissões para os agentes que não os países, ou, as partes do acordo. Esses agentes são os chamados “non-party stakeholders”. Ou seja, a precificação não foi incorporada ao acordo de forma explícita como instrumento a ser utilizado pelos países. Porém, tem-se discutido que o acordo traz implicitamente o mercado de carbono como mecanismo para contribuir para a redução das emissões de forma voluntária. O texto coloca que um dos objetivos do mecanismo seria de contribuir para a redução das emissões em um país que poderá se beneficiar de atividades que resultem na mitigação de emissões em outro. Daí se tira que funcionaria como um mercado.

 O que o Brasil tem que fazer para atingir as metas apresentadas durante a COP21?

Lilia Caiado: Em primeiro lugar, é necessário enxergar a implementação da meta como uma grande oportunidade. Uma oportunidade de gerar desenvolvimento, uma vez que serão necessários investimentos de grande porte em infraestrutura com empreendimentos de geração de energia renovável. É também um momento para se repensar processos produtivos, buscando uma maior eficiência no consumo de energia, e buscando de forma contundente zerar o desmatamento ilegal no país. É latente que para nos desenvolvermos de forma sustentável, tanto em termos econômicos quanto sociais e ambientais, precisamos acabar com esse tipo de questão. Então, o que o Brasil precisa fazer é, de fato, reconhecer que a busca por alcançar as metas contidas na sua Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas(INDC)  deve ser uma grande motivação para desviar dos prognósticos negativos que temos para país nos próximos anos.

 Qual o papel do país no objetivo de reduzir as emissões de carbono?

Lilia Caiado: O Brasil, como uma das dez maiores economias do mundo e décimo segundo maior emissor, segundo o Global Carbon Atlas, tem um papel crucial na busca pela redução das emissões globais. Ainda que sua trajetória não tenha sido altamente emissora, como a dos países desenvolvidos, quando se fala sobre mudanças climáticas é necessário pensar em um futuro de longo prazo. Pensamos em horizontes até 2050 e 2100. Precisamos nos desenvolver para que todos os brasileiros tenham condições dignas de vida, mas não podemos nos tornar grandes emissores. Precisamos, portanto, nos desenvolver dentro desta nova lógica que irá reger a economia global, ou seja, emitindo o mínimo de carbono possível.

 E como isso pode ser feito?

Lilia Caiado: Através da exploração do potencial que o país apresenta para geração de energias renováveis, como energia solar fotovoltaica distribuída, solar concentrada, ou heliotérmica, eólica e biomassa. De acordo com os dados do Censo Demográfico 2010 do IBGE, mais de 728 mil domicílios não tinham acesso à energia elétrica no país, sendo 46% deles localizados na Região Nordeste. Esta mesma região concentra o maior potencial de geração de energia renovável nacional, com 71% do potencial de geração heliotérmica, por exemplo. Temos que buscar essas sinergias, que não só promovem a universalização do acesso à energia, mas promovem também o desenvolvimento da indústria local e um processo de inovação no longo prazo.  Podemos também investir em silvicultura de espécies de árvores nativas, substituindo a oferta de madeira barata de desmatamento por madeira certificada no mercado internacional. Nossa indústria também pode se desenvolver sobre bases diferentes, buscando uma maior eficiência energética e investindo em cogeração de energia, ao invés de se basear no consumo de combustíveis fósseis.

 Que ações o CEBDS está planejando para sensibilizar os atores para esse tema?

Lilia Caiado: O CEBDS é pioneiro em realizar diversas ações, em várias frentes, que não só sensibilizam as empresas mas também as ajudam a tomar as suas próprias ações. Nós temos uma câmara temática de energia e mudança do clima em que os representantes das empresas tem a oportunidade de se reunir para discutir todas essas questões, identificar lacunas e, a partir dessa identificação, desenvolvemos projetos de capacitação, como o projeto Gestão de Carbono na Cadeia de Valor , que capacita fornecedores das nossas associadas para realizar inventários de emissões de carbono. Temos um projeto em conjunto com a Carbon Disclosure Project (CDP), de sensibilização das empresas quanto a precificação de carbono, elaboramos um guia prático, um vídeo explicativo, fizemos uma sessão de engajamento e também realizamos uma reunião entra as empresas e o Ministério da fazenda para que pudessem entender melhor o tema no contexto brasileiro. Além disso, representamos projetos globais como o Low Carbon Technology Partnership Initiative (LCTPi), que reúne diversos atores da sociedade como as empresas, os diferentes níveis de governo, além de associações para discutir como dar escala a soluções tecnológicas de baixo carbono em cinco grupos: energias renováveis, biocombustíveis, florestas, agricultura e cimentos. Representamos também a plataforma We Mean Business, em que as empresas se comprometem com ações para reduzir suas emissões como por exemplo a precificação do carbono.

 A leis brasileiras estão em sintonia com a meta apresentada durante a COP 21?

Lilia Caiado: A INDC brasileira foi elaborada com bastante base nas leis do país, em especial as metas relacionadas às florestas, que estão contidas no código florestal.

 O prefeito Eduardo Paes disse que esperar zerar as emissões de carbono em até 50 anos. Esta meta é possível?

Lilia Caiado: Sim, o objetivo é esse. Na verdade, o que se busca são emissões líquidas zero, o que significa que só se poderá emitir a mesma quantidade de carbono que puder ser reabsorvida através de sumidouros e captura e armazenagem de carbono. Na prática, isso leva a emissões bastante baixas, pois ficam limitadas a essa capacidade. De toda forma, essa iniciativa das cidades é essencial, uma vez que mais de 70% das emissões globais de CO2 se dão nos centros urbanos.

 

(Texto de Vinícius Pereira)