Produtores devem ser responsabilizados pelo descarte inadequado, defende autora

Danielle de Andrade Moreira, professora de direito ambiental da PUC-RJ e autora do livro “Responsabilidade Ambiental Pós-Consumo”, defende que a maneira mais eficiente de se reduzir o impacto de produtos no meio ambiente é que toda a cadeia produtiva – do produtor ao consumidor, seja responsabilizada e arque com os custos da prevenção e reparo do meio ambiente. “Tanto a gestão ambiental pós-consumo preventiva quanto a reparatória dependem da definição dos seus respectivos responsáveis. Daí a necessidade de se definir quem deve arcar diretamente com os ônus financeiros e administrativos para a prevenção de danos ambientais no âmbito da gestão de resíduos especiais”, defende a autora.


Qual o impacto da responsabilidade ambiental pós-consumo para a sociedade?

Nós temos custos, seja de prevenção dos danos ou reparação destes danos que são resultados do descarte inadequado destes resíduos e esses custos são suportados pela coletividade de maneira geral: Seja pelo Estado, e quando se fala em Estado arcando com esses custos, leia-se sociedade então é realmente a coletividade que suporta os danos gerados pelo descarte inadequado, enquanto toda a cadeia de produção desses bens que geram este tipo de resíduo, desde o produtor, distribuidor, comerciante e até mesmo o consumidor desses bens, mas começando pelo produtor, que escolheu a matéria prima, que escolheu colocar no mercado, que escolheu a embalagem que vai colocar aquele produto no mercado. Essa cadeia de produção está usufruindo dos bônus e a coletividade fica com o ônus. Então é injusto. Vivemos uma situação de iniqüidade ambiental.

Qual é o panorama da destinação destes resíduos no Brasil?

No Brasil ainda não temos nenhum avanço. Temos um modelo ineficiente para ligar com estes resíduos. A destinação ainda não é adequada. Alguns resíduos requerem um tratamento especial: Embalagens plásticas, pneus, pilhas e baterias, agrotóxicos e eletro-eletrônicos. Alguns tipos de lâmpada. Só de falar de resíduos eletro-eletrônicos já temos uma gama de produtos que imensa neste perfil. Ainda não há na prática uma solução eficiente para lidar com eles na sua destinação final.

Quais são os mecanismos para a implementação da responsabilidade pós consumo?

É interessante que pouco se conhece e quase nada se implementa, mas já tínhamos no direito brasileiro, mecanismos que podem ser utilizados na implementação dessa chamada responsabilidade ambiental pós consumo, tanto na esfera preventiva quanto na esfera reparatória. Isso mesmo antes da política nacional de resíduos sólidos, que é ótima, bem vinda, mas já tínhamos a responsabilidade civil já permitia a internalização de custos e reparação de danos na figura do produtor.

Um aspecto defendido no livro é que o licenciamento ambiental já é um instrumento do poder público para exigir dos empreendimentos a implementação de responsabilidade do pós consumo. Então, durante o processo de licenciamento ambiental o órgão tem que avaliar não só os impactos diretos do empreendimento mas também os impactos indiretos e também os impactos de médio e longo prazo assim como os temporários e permanentes. Fora a lei de responsabilidade compartilhada.


O que falta para a lei de responsabilidade compartilhada se tornar efetiva?

A lei distribui atribuições para o consumidor, comerciante, produtor e ainda não tem funcionado, não tem implementação. A política nacional de resíduos sólidos já tem mais de 5 anos e esse decreto foi editado no mesmo ano dessa política mas a responsabilidade compartilhada depende do que a política chama de acordos setoriais, termos de compromisso ou regulamentos. Ou seja, depende do acordo entre o setor público e o privado. Até hoje nós temos apenas 2 acordos setoriais assinados: um para o recolhimento de óleo e outro para lâmpadas que é muito recente, de 2015. Apenas em Julho desse ano tivemos o primeiro relatório sobre o primeiro acordo setorial. Então temos um nível de implementação de acordos setoriais muito baixo. Esse mecanismo de responsabilidade pós consumo da lei nacional de resíduos sólidos não tem sido eficiente. Os acordos setoriais são acordos de natureza negocial. Isso é bom por um lado, pois abre o diálogo entre o setor público e o setor empresarial, então dá legitimidade, se a negociação existe, e o setor empresarial está engajado. Só que por outro lado, depende de uma concordância, o que torna muito mais vagaroso o processo e fica parecendo que a não ser que o setor privado resolva ajudar, ele não tem responsabilidade nenhuma, o que não é verdade. Deixa aberto uma possibilidade de sujeição do setor empresarial. Ele tem responsabilidade sim. O que tem que ser negociado são as condições, como ele vai fazer.

Quais países são exemplos de políticas de responsabilidade pós consumo?

Na união européia existe regulamentação para cada setor, o que eles chamam Extended producer responsabilty, que regulamenta para cada produto a responsabilidade do seu produtor no final do seu ciclo de vida. A Alemanha é um exemplo também. Já tem desde a década de 90 um sistema de logística reversa. Lá a gente compra suco em uma garrafa de vidro e naquele mesmo lugar a garrafa é devolvida e então recebemos um desconto no mercado ou os centavos referentes ao preço da garrafa. Esse é um sistema de recompra de resíduos. Quer dizer, quando a gente compra aquela garrafa, o que a gente comprar? Não só o líquido, mas a garrafa também. E aqui no Brasil essa garrafa é descartada e quem arca com esses custos é a sociedade

Como o poder público pode ser mais eficiente para tornar efetivas todas as regulamentações que já existem?

O que precisa é de vontade política. Digo política no sentido amplo. Principalmente do poder executivo fazendo com que os órgãos ambientais incorporem isso na sua avaliação das licenças ambientais, avaliando o ciclo de vida de todos os produtos e passar a exigir a responsabilidade do pós-consumo no âmbito do licenciamento que não é feito hoje. O próprio ministério público pode incorporar essas idéias e pressionar mais com ações civis públicas. O poder legislativo poderia ajudar com projeto de lei prevendo expressamente a necessidade de que os impactos ambientais do pós-consumo sejam previstos nos licenciamentos ambientais

(Texto de Vinícius Pereira)