Boas Idéias em Silvicultura: Entrevista com o professor Eduardo Nery

Um modelo que tem como foco a diversidade de espécies e a cessão do uso do solo pelos pequenos proprietários mediante mensalidade ou anuidade. Este foi o retrato a que o pesquisador Eduardo Nery chegou das regiões norte e noroeste do estado do Rio ao concluir o Plano Básico de Silvicultura.

Um modelo que tem como foco a diversidade de espécies e a cessão do uso do solo pelos pequenos proprietários mediante mensalidade ou anuidade. Um milhão e meio de hectares disponíveis para a silvicultura não apenas madeireira (florestas comerciais), mas também não-madeireiras (bambu, cogumelo, etc). Este foi o retrato a que o pesquisador Eduardo Nery chegou das regiões norte e noroeste do estado do Rio de Janeiro ao concluir o Plano Básico de Silvicultura. Encomendado pela InvesteRio, o documento é um desdobramento do Plano de Desenvolvimento Sustentável das Regiões Norte e Noroeste, produzido pelo Governo do Estado em parceria com a Petrobras. 

Nesta entrevista, concedida à jornalista Geiza Rocha, que coordena o Fórum Permanente de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio de Janeiro Jornalista Roberto Marinho, Nery detalha o estudo e fala sobre os potenciais e o interesse despertado pela região em grupos de investidores estrangeiros. "O grupo coreano, por exemplo, tem um interesse particular na questão da madeira para a indústria naval, não só embarcações, mas também na questão da ambientação dos navios. Há uma informação de que 90% dos grandes transatlânticos de luxo do mundo estão com mobiliário e com a decoração interna ultrapassadas, tem que ser totalmente reformulados. Isso é um mercado extraordinário que pode até levar a Barra do Furado a ter um estaleiro voltado só para essa modernização desses transatlânticos de luxo", afirma o professor. Confira os principais trechos da conversa:

Característica Fundiária

"As regiões Norte e Noroeste, que originalmente eram uma única região até 1975, passaram por um processo de reforma agrária no início do século XIX. Quando todo mundo estava pensando em latifúndios, elas fizeram uma reforma agrária. Naquela época, elas já haviam passado por dois grandes ciclos, o da pecuária e o da cana de açúcar. Em função disso, já havia todo um processo político, institucional que possibilitou essa reforma. No inicio do século XIX, a região chegou a ter 3 mil propriedades agrárias, e hoje o número é muito grande. O que constatamos, por exemplo, é que 92% das propriedades agrárias do Norte e do Noroeste possuem até no máximo 100 hectares. Por isso tivemos de conceber um modelo de negócio completamente diferente dos tradicionais, usados nos outros estados brasileiros."

Sistema Agroflorestal

"O nosso modelo é o que chamamos de agrosilvopastoril, ou simplesmente sistema agroflorestal, em que a floresta convive com a atividade agrária. Nenhuma das propriedades é ocupada integralmente, não há o processo de desapropriação e nem de compra dos terrenos. O objetivo é a fixação do homem na terra, a valorização e a inclusão desses proprietários agrários promovendo sua ascensão social e econômica. Neste modelo, o processo é de cessão do direito de uso dos terrenos, com a participação dos proprietários que passam a ser parceiros nos negócios. Isso desonera tremendamente o investidor, porque não há necessidade de fazer a imobilização e a formação de capital fixo. Esse processo pode oferecer, ainda, uma garantia adicional que é a cessão do direito de uso com opção de compra no final, de tal maneira que aquele pagamento feito mensalmente, ou a anuidade que os proprietários recebem pelo direito de utilização da terra, é contabilizada e, no final, se o grande investidor resolver adquirir aquela propriedade, aquilo é deduzido do preço final. Esta mensalidade ou anuidade paga pelo investidor dá aos donos da terra uma receita inicial que permite a eles desenvolver uma atividade ou reativar a própria atividade agrícola que está pouco desenvolvida, ou precisa de modernização. Recentemente, os grandes produtores, particularmente da celulose brasileira, passaram a adotar o que chamam modelo de fomento. Neste modelo, eles provêem os insumos e não há aquisição dos terrenos. No caso particular do nosso modelo, estamos misturando a floresta nativa com a comercial nesse processo. Chegamos a um número em torno de 90 a 95 mil hectares de floresta comercial que devemos recuperar utilizando os fragmentos de Mata Atlântica existentes. Isso representa em torno de 50 mil hectares de Mata Atlântica reconstituída, o que é um número espetacular, porque são corredores ecológicos de grande extensão que vão recompor toda flora e fauna das Regiões Norte e Noroeste fluminense permitindo simultaneamente a recuperação da atividade agropecuária. Além, é claro, de introduzir outras possibilidades, as atividades acessórias. É pensar na produção de resinas, de essências, na apicultura, na produção de cogumelos, alimento extremamente valorizado no mercado. O grande objetivo é a biodiversidade, provavelmente até mais rica do que a biodiversidade original da Mata Atlântica."

Cadeias Produtivas

"Nesse modelo, o sistema agroflorestal, estamos certos de que a silvicultura vai permitir a reativação da cana de açúcar, o crescimento da cafeicultura e eventualmente de outras culturas que já existiram na região, como o arroz. O objetivo é diversificar. No projeto temos três grandes cadeias que chamamos de silvicultura madeireira e temos diversas outras cadeias de silvicultura não madeireira. No caso da silvicultura madeireira procuramos identificar quais são as espécies que já existem na região, aquelas que deram certo e que o País tem conhecimento da cadeia produtiva. Constatamos que nas madeireiras, o Brasil tem, não só conhecimento, mas detém um diferencial competitivo, no eucalipto. O eucalipto é excepcional. Temos uma produtividade de eucalipto que supera todos os países do mundo. Daí o interesse de investidores mundiais produzirem aqui no Brasil. Em relação ao eucalipto temos um domínio completo, variedades, produção, tudo consolidado, e o eucalipto se destina basicamente a duas cadeias: a da construção civil e da indústria moveleira e a da produção da celulose, que é uma das alternativas, não é a única. Temos outras produções de cadeias não tão comuns como, por exemplo, produzir celulose a partir do bambu. Temos dois grandes projetos no Nordeste do Brasil que produzem a partir do bambu, com plantações em torno de 50 mil hectares. Outras possibilidades que não conhecemos são, por exemplo, a copaíba, que deu até um prêmio Nobel a um pesquisador americano. Ele descobriu que a seiva da copaíba é equivalente a um petróleo, mas nós não temos ainda conhecimento de como plantar uma floresta de copaíba. Apesar disso, temos alguns exemplares de copaíba nas regiões norte e noroeste fluminenses. Então, existem perspectivas de crescimento."

Pequenas X Grandes propriedades

"Existe uma diferença entre o madeireiro e o não-madeireiro. As madeireiras normalmente são plantações de grande escala. Estamos falando ai de cinco, sete mil e quinhentos hectares. Já nas espécies não-madeireiras você planta pequenas propriedades. Então o sistema é hibrido. Você tem pequenas propriedades convivendo com grandes propriedades. Neste projeto nós dispersamos a área de tal maneira que cobrisse todo território do norte e noroeste para que todos os municípios tenham a possibilidade de participar deste processo."

A Pesquisa

"Fizemos um levantamento em várias etapas. Na primeira verificamos quais eram as áreas que ofereciam as condições edafoclimáticas - de geologia, de clima, precipitação e etc. - que favorecem a silvicultura. Em seguida, verificamos quais dessas áreas favoráveis estavam ocupadas, ou quais já teriam uma destinação prioritária para agricultura, além de outras aplicações que poderiam ter, para não haver conflito. O que sobrou foi uma quantidade extraordinária. Nós chegamos a quase um milhão e meio de hectares. E adotamos um critério, definido arbitrariamente pelo pessoal da FIRJAN, que foi não ultrapassar 11% do total da ocupação numa primeira etapa. Esses 11% incluiriam não só a silvicultura comercial, que seria a floresta comercial, como também a recomposição de Mata Atlântica, que é aquilo que está associado ao plantio das florestas comerciais, e gira entre 12% e 20%."

Investimentos

"Todo esse interesse que levou o estado à execução desse projeto foi gerado a partir das manifestações de investidores, tanto de grandes grupos nacionais, quanto da Comunidade Econômica Européia em torno dos créditos de carbono. Depois que o trabalho começou tivemos dois grupos de investidores, um coreano e um americano, que acompanharam a execução do trabalho, manifestaram um interesse enorme e fizeram inúmeros questionamentos. Foi muito interessante. Vimos o lado do
investidor, o que eles estavam pensando. E as taxas de retorno do projeto eram espetaculares, realmente acima de qualquer expectativa, e, sobretudo daquilo que o mercado internacional está oferecendo em termos de rentabilidade para projetos desta natureza. Então isso é realmente uma questão muito importante. Mas existem algumas questões que a gente ainda precisa tratar. Precisamos pensar em ajustes na estrutura estadual de licenciamento, que permita dar respostas mais rápidas aos investidores, que estão preocupados com a questão dos tempos associados a este tipo de projeto. O segundo aspecto são as linhas de crédito e
financiamento. Hoje não temos no País linhas de crédito de financiamento para projetos de grande porte. Nesse caso, nós recomendamos que a INVESTERIO exercesse o seu papel como agente financiador do estado do Rio e ela está perfeitamente qualificada e habilitada para fazer este papel, tentando captar montantes de recursos. Estamos falando de projetos de alguns milhões de reais, ou até bilhões, no sentido de viabilizar e o que é importante. Não é produzir madeira, a madeira é parte do processo. O processo é produzir no mínimo três ou quatro cadeias produtivas de madeira e não madeireira."

Legislação

"Os municípios tem legislações bastante heterogêneas. Conversamos com alguns representantes municipais e a maioria deles está disposta a fazer uma uniformização ou homogeneização, tentar criar uma espécie de legislação regional, porque o projeto permeia toda região. Não há como se trabalhar com distinções entre legislações municipais e particularmente na questão ambiental, de incentivos e de licenciamento. Mas acho que chegamos num acordo rapidamente. São questões que tem que ser equacionadas a priori, antes da chegada dos investidores, e os investidores estão aí, prontos, negociando com o estado, com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, manifestando explicitamente seu interesse. O grupo coreano tem um interesse particular na questão da madeira para a indústria naval. E aí eu falo não só das embarcações, mas também da ambientação dos navios. Existe uma informação recente de que 90% dos grandes transatlânticos de luxo do mundo estão com mobiliário e com a decoração internas ultrapassada, tem que ser totalmente reformulados. Isso é o mercado extraordinário, que pode levar a Barra do Furado a ter um estaleiro voltado só para essa modernização desses transatlânticos de luxo."

Assista a entrevista do professor aqui!