Mobilidade Urbana: o futuro depende de decisões

"A questão central da mobilidade urbana é estamos dispostos a abrir mão de nosso conforto pessoal e individual em troca do conforto coletivo. Em algum momento seremos conscientes de que nenhum interesse individual é maior do que o interesse do coletivo?" É o que afirma o jornalista e ambientalista Henrique Cortez. Leia mais aqui.

Por Henrique Cortez, ambientalista e coordenador editorial do Portal EcoDebate.

As grandes cidades a caminho de se tornarem megacidades já estão com a sua mobilidade urbana em colapso. Não é difícil de compreender o problema: a capacidade de expansão e modernização da malha viária é muito inferior ao crescimento da população e, principalmente, ao aumento da frota de automóveis.

Uma das mais óbvias consequências desta sociedade crescentemente motorizada é o aumento da poluição, da emissão de gases estufa e, tragicamente, os severos impactos na saúde humana.

De acordo com o 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários a frota brasileira, em 2009, foi estimada em: 21,140 milhões de automóveis, 4,336 milhões de veículos comerciais leves, 1,743 milhão de caminhões, 315 mil de ônibus e 9,222 milhões de motocicletas.

De acordo com a Cetesb, 60% dos paulistas vivem em cidades saturadas pela poluição veicular. Os dados do Detran/SP mostram que nas regiões de Campinas, São José dos Campos, Piracicaba e Itu, todas afetadas pela densidade nociva de ozônio, o crescimento no número de automóveis foi ainda mais expressivo do que na própria capital. Enquanto a frota paulistana aumentou 7,1% entre 2007 e 2008, nessas outras cidades a média de aumento foi acima de 8,3% (em Itu, o acréscimo foi de 9,7%). Um estudo do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Universidade de São Paulo (USP) estima que a má qualidade do ar custa pelo menos US$ 1 bilhão – cerca de R$ 2,3 bilhões – aos cofres públicos brasileiros a cada ano, principalmente com as mortes ou tratamento de doenças associadas direta ou indiretamente à poluição.

O problema do colapso da mobilidade urbana vai muito além do tempo que perdemos tentando nos descolar de um lugar para outro. Existem muitas alternativas e propostas de solução ou mitigação deste colapso e a implantação de corredores de transporte de superfície é um dos mais destacados.

A questão dos corredores de transporte de superfície é algo muito maior e mais complexo do que as simples faixas exclusivas ou seletivas de ônibus, como frequentemente os gestores municipais parecem pensar.

Para facilitar a compreensão deste sistema e das políticas públicas associadas, tentarei imaginar, sintetizar alguns dos conceitos mais essenciais. Em primeiro lugar é impensável qualquer medida de solução ou mitigação que não esteja centrada na redução da circulação de veículos de passeio, em geral, para o transporte pessoal individual.

Esta é a frota que nos 'empurra' para o colapso, frequentemente em razão das históricas deficiências dos transportes públicos. Os corredores, portanto, devem ser pensados para substituir, com a máxima eficiência, este transporte individual.

A primeira coisa a ser feita é criar um sistema de gerenciamento de fluxo dos ônibus que circulam nos corredores de transporte de superfície, de modo a garantir o máximo de oferta de transporte, sem perda de tempo ou eficiência. Neste caso, os ônibus, de quaisquer empresas, circulariam como uma 'ponte aérea', com rateio de passageiros e faturamento, o que eliminaria um dos maiores erros nas faixas exclusivas ou seletivas – a interminável fila de ônibus causada pela redundância de linhas com o mesmo destino e trajeto.

A segunda ação está na criação das estações de transferência de entrada e de saída. Nas estações de transferência de entrada, diversas linhas de ônibus, de transportes alternativos concentrariam passageiros no corredor de transportes, o que maximiza a eficiência do sistema. Nestas estações também estariam disponíveis estacionamentos, dimensionados para receber os passageiros de automóveis.

É claro que isto só funciona se, ao longo do sistema, existirem restrições de tráfego de automóveis. Em alguns trechos os automóveis teriam circulação restrita, quer por dia da semana e/ou por horário (os rodízios). Em outros trechos a circulação seria restrita para exigência de pedágios urbanos e,por fim, em outros mais críticos a circulação seria proibida.

Nas estações de transferência de saída os passageiros seriam 'distribuídos' para outros modelos de transportes integrados ao sistema, tais como trens metropolitanos, metrô e os meios alternativos que dariam capilaridade à rede. É obvio que este é um modelo muito simplificado, mas, ainda assim, demonstra claramente como seria sua operação.

No entanto, a experiência internacional demonstra que estas políticas públicas de transporte são implementadas apenas quando a mobilidade urbana entra em efetivo colapso. Por quê? Simples. Medidas restritivas ao transporte individual são muito impopulares e, em geral, são um risco político em termos eleitorais. Em razão disto, só ocorrem quando a pressão popular é efetivamente maior do que o desgaste eleitoral.

Outra questão relevante é que o transporte individual é um fetiche exibicionista e esta fixação insustentável exige programas educativos de longo prazo. Alguém se lembra de alguma campanha de educação no trânsito que tenha durado mais de um ano? Nem eu. Bem, de uma forma ou de outra, as soluções e mitigações existem e podem ser implementadas com razoável margem de sucesso.

A questão central é outra: estamos dispostos a abrir mão de nosso conforto pessoal e individual em troca do conforto coletivo? Em algum momento seremos conscientes de que nenhum interesse individual é maior do que o interesse do coletivo?