Fórum entrevista especialista em habitações sustentáveis da Califórnia

Em março deste ano, a Uenf, uma das universidades que compõem o Fórum de Desenvolvimento do Rio, recebeu o professor Vern Jahnke, do Grupo de Design Sustentável de Claremont, na Califórnia, para falar sobre os desafios para a construção de habitações ambientalmente sustentáveis. Conseguimos conversar com ele. Acompanhe a entrevista.

Vern Jahnke: "Muito pode ser aprendido sobre design sustentável com aqueles que não acreditamos poder fornecer as informações de que precisamos"

Em março deste ano, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), uma das universidades que compõem o Fórum de Desenvolvimento do Rio, recebeu o professor Vern Jahnke, do Grupo de Design Sustentável de Claremont, na Califórnia, para falar sobre os desafios para a construção de habitações ambientalmente sustentáveis. O pesquisador ficou conhecido por elaborar uma casa inteligente, praticamente à prova de fogo, após a sua residência anterior ter sido completamente destruída por um incêndio. Nesta entrevista, ele aborda quais são os desafios de ser o pioneiro neste tipo de construção, as experiências que ele tem acompanhado na Califórnia, analisa até que ponto a sustentabilidade ainda não está restrita ao mercado do luxo e defende o estímulo à propaganda ambientalmente responsável como meio de contribuir para a difusão deste tipo de construção.

Já na despedida, uma frase de  Jahnke chamou-nos a atenção nesta conversa - mediada pelo professor Marcos Pedlowski, da Uenf, que se encarregou de, voluntariamente , fazer as perguntas e encaminhar as respostas já traduzidas para o nosso site -  "Para fazer o bem, precisamos efetivamente fazer alguma coisa". Em tom de desafio, resolvemos abrir a entrevista com esta frase, para que você conheça o que este californiano fez.

O senhor ficou conhecido no meio sustentável por, entre outras coisas, planejar uma casa inteligente, praticamente à prova de fogo.  O que essa habitação possui de especial?

Na verdade, minha casa é o produto de uma escolha feita por minha esposa e por um arquiteto amigo meu, que definiram o modelo. Incluímos no processo de desenho da casa aspectos como o tipo de terreno e a composição dos solos, o tipo de clima no entorno de nossa casa (vivemos na mesma latitude onde fica Israel num clima seco e semidesértico), a história do nosso bairro (que está localizado numa terra de propriedade de uma companhia de trens no início do Século XX onde eram plantadas oliveiras para dar inicio a uma indústria de óleo de azeite), a flora original que era resistente à seca, a escolha de um portfólio de cores que privilegiasse tonalidades naturais da Terra, as causas da nossa atual crise ambiental e a tecnologia existente para diminuir a emissão de carbono para a atmosfera, a nossa história pessoal e nossos valores, predominantes rurais e a visão de nosso filho e de seus amigos mais próximos, de modo a incorporar seus conhecimentos e sua força de trabalho (caso isto fosse necessário). Em segundo lugar, pesquisamos os tipos de materiais recicláveis e renováveis que existiam no mercado para usá-los na construção das paredes, assoalhos e telhado, bem como no processo de paisagismo. Em terceiro, pesquisamos os tipos de sistemas de água para garantir o fornecimento para nosso consumo doméstico e no processo de irrigação dos nossos jardins.

Quais os mecanismos sustentáveis presentes nela?

OLALACMSFOTO02OLALACMS As principais características sustentáveis da casa são as sapatas e pilares de concreto (postes), com vida útil estimada de pelo menos duzentos anos, paredes compostas de poliestireno (na prática uma espuma feita de estireno produzida através de um processo eletrônico de embalagem) que é misturado com cimento derramado dentro de formas para secar ao ar livre.  Este material é comercialmente conhecido como “Rastra”, e fornece um alto fator de isolamento (R-38) e minimiza possíveis variações de temperatura que ocorrem ao longo de um dia, vergalhões de aço que são colocados dentro de canais nas paredes, com o concreto sendo derramado em torno do aço, um eixo vertical que vai do piso inferior ao teto e escadas abertas para permitir que o ar quente flua para cima e para fora do telhado puxando ar frio junto ao solo para ser distribuído em toda a casa (o que implica numa forma refrigeração passiva que dispensa o uso de aparelhos de ar condicionado), madeiras pesadas para aguentar os decks e varandas e resistir ao fogo, 19 painéis fotovoltaicos que produzem em média 12.5 kilowatts/hora por dia, o que representa quase todas as necessidades elétricas de 4 adultos e sistemas de irrigação suficientes para molhar a vegetação existente na parte externa da casa com uma área de 5.950 m2.

Quanto uma casa como a que o senhor construiu custa nos Estados Unidos?

A nossa casa custou um total de US$ 700 mil ou cerca de US$ 241,00 por pé quadrado (1 pé quadrado equivale a cerca de 0,1 metro quadrado). 30% dos custos se deveram ao fato de que a construção se deu numa encosta íngreme, à colocação de um deck e o tipo de estrutura, bem como pela necessidade de se construir um sistema de fossas sépticas e de se trazer energia elétrica de uma estrada próxima. É importante frisar que estes custos foram elevados pela construção da casa ter ocorrido durante o auge do boom imobiliário pelo qual os Estados Unidos passavam no início da atual década. Isto também implicou no aumento dos encargos trabalhistas, e a uma subida acentuada dos custos de materiais devido à demanda vinda da China por concreto e aço. O preço foi mantido baixo pela contribuição pessoal de membros de nossa família no trabalho braçal, bem como pela escolha criteriosa dos materiais de acabamento.

Uma casa que foi construída logo após a nossa pela mesma empresa com quem trabalhamos, e usando o mesmo tipo de material, em terreno plano e  com um desenho arquitetônico desenvolvido pelo Grupo "Leed Platinum" (Liderança em Energia e Design Ambiental) custou ao proprietário cerca de US$ 1 milhão, incluindo os custos dos projetos de arquitetura e engenharia e o pagamento de licenças e taxas. Neste caso, o custo médio foi de US$ 300 por pé quadrado - Esta casa que fica localizada em Santa Monica, na Califórnia.

Os materiais utilizados podem ser adaptados facilmente em qualquer lugar do mundo?

OLALACMSFOTO03OLALACMS É claro que os painéis solares, em arranjos simples ou complexos, serão úteis em muitas aplicações em áreas rurais e urbanas do Brasil. Visitei uma favela de Campos dos Goytacazes e fiquei convencido de que se todos os aspectos possíveis fossem consultados (tipo de terreno, capital humano, capital social, histórico da comunidade, características climáticas e econômicas) muito poderia ser aprendido sobre design sustentável e regenerativo exatamente com aqueles que não acreditamos que poderiam fornecer as informações de que precisamos.

O uso de poliestireno misturado com concreto (Rastra) é possível em muitos lugares do mundo. Por outro lado, existem outros materiais que podem ser usados para substituir o Rastra, tais como fibra de madeira; de cana-de-açúcar, de  trigo ou arroz; e papel-creto, um material que é feito de tiras de papel molhado e misturadas com concreto. Este material pode ser produzido artesanalmente usando-se secadoras de roupas acopladas a um motor de veiculo automotivo. Um exemplo pode ser visto aqui.

[Nota: Mais uma vez, o design é fundamental. Os melhores designers práticos que conheço vivem a poucos quilômetros de minha casa].

E a durabilidade e segurança da construção?

Os arquitetos nos disseram que a estrutura se manterá facilmente por pelo menos 200 anos. As paredes exteriores têm uma capacidade estimada de aguentar 4 horas de fogo. Já o restante da estrutura tem uma classificação de uma hora. O telhado é de classe A para a resistência ao fogo. A casa já foi sacudida por terremoto, mas pareceu distribuir bem a força do impacto por meio da estrutura principal e das sapatas, de modo que parece aguentar ondas sísmicas muito bem.

Além disso, os insetos que atacam madeira, como cupins, têm pouco ou nenhum acesso a madeira exposta em qualquer parte da estrutura da casa principal.

[Nota: você não perguntou, mas o ambiente interno é extremamente silencioso. Um visitante comparou o nosso ambiente interno a andar num carro bem construído, em vez de andar num jipe do exército.

Nos Estados Unidos e na Europa já existem leis que obrigam construtoras a se adaptarem às questões ligadas à sustentabilidade. Quais são, na sua opinião, as vantagens destas leis? E como foi a experiência delidar com estas normas?

OLALACMSFOTO04OLALACMS Os efeitos iniciais dessas leis são gerar formas uniformes de "boas práticas" pelas empresas de construção, treinar os funcionários públicos em cidades e estados que estejam encarregados de emitir permissões e de inspecionar a construção civil e treiná-los sobre como avaliar novos  materiais e design. Um aspecto que contribuiu para o nosso custo elevado em termos de tempo e dinheiro foi o fato de que aqueles que estavam encarregados de aprovar nossos planos e práticas não sabiam como avaliar a nossa forma de abordagem em comparação com as abordagens tradicionais. (Em alguns casos, tivemos de ensinar os inspetores como eles deveriam inspecionar nossos planos de construção e o progresso em termos da construção da obra em si). Por último, estabelecer normas de certificação para produtos “verdes" e projetos e sistemas dito sustentáveis. Alguns produtos são anunciados e prometem ser ambientalmente responsáveis, mas, na verdade, não cumprem as normas que desejaríamos aplicar.

Em resumo, as obrigações legais e regulamentos impostos pelos governos nacionais e locais foram um "espinho na nossa carne", mas deverão ajudar a aumentar e acelerar o nível de formação e de aprendizagem, e trazer o que chamamos de "verdade na propaganda".

O senhor acha que as leis ajudam na difusão destas tecnologias?

Quanto mais avançado o município, estado ou nação está no design sustentável e no uso de materiais sustentáveis, o mais provável é que as suas práticas e leis sejam procuradas e compartilhadas pelos outros. Em alguns casos, na medida em que se limita a experimentação e a difusão de tecnologias, elas enfrentam mais resistência ou têm sua adoção retardada.

Que modelos podem ser seguidos pelo Brasil?

O estado da Califórnia já possui legislação em termos de gastos energéticos  (as mais rigorosas nos EUA), e novamente, apesar de ser difícil de implementá-la na prática, ela acaba trazendo resultados positivos. Como 47% da energia nos EUA é gasta no funcionamento dos nossos edifícios, a melhor maneira para reduzir nossas importações de petróleo e gás e reduzir as emissões de gases de estufa seria reduzir a quantidade de energia que os nossos edifícios consomem.

Hoje em dia diversos pesquisadores ligados ao meio ambiente estão testando matérias primas sustentáveis, como fibras de bambu. Os órgãos que geralmente fazem certificação de qualidade também estão se adaptando para certificar estes materiais?

A resposta é, definitivamente, sim, e os diferentes países devem fazer isto, se não por qualquer outra razão, pela concorrência econômica. A China gastou US$ 34,6 bilhões de dólares em 2009, superando os Estados Unidos numa razão de 2 por 1, em iniciativas ambientalmente responsáveis.  Segundo o que foi publicado no jornal Los Angeles Times em março deste ano (dia 25), em termos de gastos com produtos ambientalmente sustentáveis, os Estados Unidos, em termos da percentagem do que seria o nosso produto Interno Bruto, ficou em 10o, apenas atrás de Canadá e México. A corrida entre as nações para liderar o crescimento global de negócios e finanças “verdes” vai empurrar as empresas e agências governamentais para trazer rapidamente para o centro do debate, as questões relativas à da inspeção e certificação de novos materiais.

Um tema recorrente quando se discute sustentabilidade nas construções é o alto custo da tecnologia. De que forma, na sua opinião, estas técnicas podem vir a significar também uma economia financeira pessoal ou até mesmo um ganho no desenvolvimento econômico local se forem produzidas em larga escala?

Se pensarmos e perguntarmos na base do "um/ou" em vez de "ambos/e”, nos colocamos no dilema existente no debate político que ocorre atualmente nos Estados Unidos que contrapõe "iniciativas verdes versus emprego". Nós, neste hemisfério, sucumbimos regularmente ao dualismo ocidental que permeia o nosso pensamento (e, portanto, grande parte da nossa prática), e que se repetiu diversas vezes ao longo dos nossos 500 anos de história. Mesmo quando se desafia a lógica e o senso comum, insistimos em colocar as coisas na base da contradição, e não na forma de cooperação e da cortesia. Talvez a China e os países asiáticos emergentes estejam ganhando terreno em relação a nós como líderes em sustentabilidade, porque a mente oriental pensa em "ambos/ e"; e também pensa que tanto o emprego quanto o ambiente podem ser ajudados pelas novas tecnologias.

Como o senhor enxerga a sustentabilidade no mercado de luxo? É possível existir luxo com sustentabilidade?

OLALACMSFOTO05OLALACMSA inserção estratégica de alguns componentes de “luxo” ajudará o processo de construção sustentável. A nossa casa é um “bem de luxo", da mesma forma que no início de seu desenvolvimento era um forno de microondas. Nossa família teve que gastar muito para nossa casa, como fez a família que construiu a segunda geração de casas sustentáveis, em Santa Monica, na Califórnia, a que me referi anteriormente. Mas as versões posteriores da casa serão cada vez mais baratas, na medida em que aprendermos como construí-las de forma mais barata. Mesmo agora, o designer de nossa casa, Mark Von Wodtke, já está projetando versões pré-fabricadas de nossos muros. Assim, alguns artigos de “luxo” de hoje podem ser tornar amanhã os itens de uso mais corrente.

Pode-se dizer que faz parte dos novos paradigmas o luxo compreender as questões ambientais?

Parte do novo paradigma é a redefinição do que vem a ser "luxo". Atualmente é um luxo utilizar materiais reciclados e células fotovoltaicas. Temos de aproveitar a atração do ser humano de querer uma coisa que seja a melhor em comparação com  a de seus vizinhos, e fazer algo do que possamos nos orgulhar. Se definirmos rios e córregos limpos ou um ar puro, ou a manutenção da vegetação através de baixo consumo de água como sendo bens de luxo, todos nós poderemos optar pelo luxo. Novamente, a nossa forma de pensar é fundamental. Vou resumir este raciocínio com uma breve história pessoal. Ontem estava esperando a cafeteira de minha casa preparar uma quantidade suficiente de um delicioso café que trouxe do Brasil para encher o meu copo extragrande para sair numa viagem. Em um certo momento, fiquei frustrado com a lentidão da cafeteira, e me lembrei que as pessoas no Brasil usam xícaras e copos pequenos para beber café. Assim, guardei o meu imenso copo, e peguei um copo bem menor para enchê-lo com o café que já estava pronto. Saí de casa feliz pelo fato de ter um copo menor, mas cheio de café, em vez um copo grande que estaria semi-cheio. Meu copo menor me pareceu um bem de luxo, pois estava cheio de café fresco e quente.

Um dos pontos fundamentais da sustentabilidade é a redução do consumo. De que forma os mercados, na sua opinião, devem agir quando o maior interesse deles é justamente fazer com que as pessoas consumam cada vez mais?

Eu discordo que o principal objetivo do “mercado” ou da “comercialização” é fazer com que as pessoas consumam mais. Eu faço as compras para minha pequena empresa de prestação de serviços para pessoas aposentadas que querem permanecer em suas casas tanto tempo quanto possível, ao invés de se mudar para um asilo. Neste sentido, acredito que o mercado é um meio eficaz e eficiente de fornecimento de bens e serviços que são demandados por indivíduos e pela coletividade. A propaganda é a grande culpada pelo consumo desnecessário. A propaganda, pelo menos durante o Século XX, cresceu como uma indústria de serviços para venda de produtos das empresas, e se voltou para criar a "necessidade", onde ela na verdade não existia transformando os desejos humanos em "necessidades". A publicidade deve e vai figurar na busca por soluções para diminuir o excesso de consumo. A propaganda, embora intimamente relacionada ao mercado, deve ser diferenciada dele.

A propaganda pode criar um sentimento de necessidade onde não há uma necessidade efetiva. A propaganda fez a questão de a quantidade ser preferida em relação à qualidade dos produtos. Mas o uso da propaganda para fazer prevalecer a noção de qualidade sobre quantidade pode aumentar a margem de lucro das empresas, compensando a perda de volume da comercialização que vêm da venda para as pessoas do que elas querem,e não do que elas realmente precisam.

Finalmente, creio que deveria haver incentivos para a propaganda ambientalmente responsável que possa acompanhar a concepção e produção de bens sustentáveis.