Flávio Leme: A pesca no Rio e seus gargalos - o que podemos fazer?

O Rio de Janeiro é um dos maiores produtores de pescado do país, mas tem seu desenvolvimento limitado pela falta de mão de obra qualificada para trabalhar no setor. Neste artigo, o comandante Flávio Moraes Leme, assessor do Saperj, fala sobre o potencial do setor e sobre o que pode ser feito para alavancá-lo.

*Comandante Flávio Moraes Leme

O estado do Rio de Janeiro possui a terceira maior costa pesqueira do Brasil, com 635 km, e um dos melhores conjuntos de baías, estuários, manguezais, lagos e lagunas do país. Seu litoral é beneficiado por uma significativa produtividade primária causada por ressurgências temporais influenciadas pelas águas frias da Corrente das Malvinas, o que torna a região rica em recursos pesqueiros. Atualmente, o estado produz cerca de 70 mil toneladas por ano de pescado, que faz do Rio o terceiro maior produtor de pescado do país, mas pode ser dobrado, já que o litoral do estado tem um estoque de produção estimado em 150 mil toneladas por ano.

A atividade pesqueira no estado conta com cerca de 60 mil pescadores, além de empregar mais de 120 mil pessoas em atividades indiretas, como indústrias de beneficiamento, produção de insumos, distribuição e comercialização de pescado, que totalizam cerca de 180 mil empregos.

O número de embarcações de pequeno e médio porte que operam no estado, voltadas para a pesca artesanal, é de aproximadamente 10 mil. Já a pesca industrial, de maior escala, utiliza cerca de 250 embarcações. O valor da primeira comercialização de pescado é da ordem de R$ 183 milhões de reais/ano.

A cidade do Rio de Janeiro é um dos maiores mercados consumidores de pescado do Brasil. Seu consumo anual médio é de 16,4 quilos por habitante, enquanto a média nacional é de sete quilos. No estado também está localizado o maior parque industrial da América Latina, formado por indústrias que enlatam cerca de 400 milhões de latas de sardinha e atum por ano.

Apesar de toda essa capacidade, a pesca no estado do Rio enfrenta desafios como a falta de entreposto, atracadouro e a perda de mão de obra para as empresas "offshore".

Já em 1956, o Relatório da Missão Portuguesa de Pesca que visitou o Brasil apontava que as instalações, o recinto de vendas e as câmaras de armazenamento, bem como os locais de expedição de pescado e de abastecimento de água e combustíveis existentes no Entreposto da Praça XV deixavam muito a desejar. Isto não só por não atenderem as exigências técnicas e sanitárias recomendadas, como também em função do amplo desenvolvimento que se previa para a pesca.

Todavia, o Entreposto da Praça XV continuou funcionando de forma precária até o ano de 1991, quando foi interditado pelas autoridades governamentais. A partir daí, a pesca dividiu-se em vários pontos de desembarque e comercialização. O principal ponto de desembarque da frota industrial foi para a Ilha da Conceição, no cais da antiga Sardinhas 88, em Niterói. Em breve, esse espaço - "provisório" há 19 anos - deverá ser entregue a uma empresa privada que comprou o terreno.

Por isso, a construção do Terminal Pesqueiro Público (TPP) na cidade do Rio de Janeiro é fundamental para a sobrevivência da atividade pesqueira no estado. Para viabilizar a operacionalidade do TPP é necessária a construção de um cais para as embarcações permanecerem atracadas após as descargas de pescado. Este cais não poderá ser o do TPP, uma vez que a operação de descarga de pescado, que precisa ser rápida, não pode ser realizada no mesmo local em que as embarcações ficarão atracadas para abastecimento, manutenção e descanso da tripulação.

A deficiência de mão de obra qualificada para as funções a bordo da embarcação pesqueira, tais como patrão e condutor-motorista de Pesca, é outro dos principais gargalos para o desenvolvimento da atividade no estado. Esta carência pode inclusive inviabilizar a atividade e ter graves consequências socioeconômicas para todos os segmentos envolvidos com a cadeia produtiva do setor.

De acordo com as Normas da Autoridade Marítima, as qualificações necessárias para o exercício das atividades em embarcações de pesca são pescador profissional (POP), motorista de pesca (MOP) e condutor-motorista de pesca (CMP), além de patrão de pesca de alto mar (PPA).

A Capitania dos Portos só vem realizando cursos de Formação de Aquaviários (Módulo Especial Pesca), que forma apenas POP e MOP. Os demais cursos não são oferecidos há muitos anos, o que causa uma grande deficiência de profissionais mais qualificados.

Dessa forma, é de extrema necessidade que a Capitania do Rio de Janeiro realize, regularmente, cursos para formação de PEP, CMP e PPA. Os cursos podem, inclusive, ser realizados na Escola de Pesca Ascânio de Farias, em São Gonçalo, que atualmente está subordinada a FAETEC e que hoje não tem nenhuma atividade voltada para a formação profissional do pescador.

*Flávio Moraes Leme é assessor  da presidência do Sindicato dos Armadores de Pesca do Estado (Saperj)