Dinheiro do lixo: reciclagem de óleo gera emprego, renda e energia

Reciclagem de óleo residual gera renda para cooperativas de catadores e evita poluição de mananciais e entupimento de redes de esgoto. O potencial do estado do Rio de Janeiro na área é grande, mais ainda falta investimento para aumentar a capilaridade das redes de coleta e para construir uma planta industrial de conversão do óleo em biodiesel.

A reciclagem de óleo de cozinha residual pode gerar renda para cooperativas de catadores, evitar a poluição de mananciais e o entupimento de redes de esgoto. Estima-se que em todo o Brasil possam ser reciclados pelo menos 10% dos 4 bilhões de litros de óleo vegetal consumidos por ano. O potencial do estado do Rio de Janeiro na área é grande, mas para alcançar esse triplo benefício ainda faltam investimentos para aumentar a capilaridade das redes de coleta e para construir uma planta industrial de conversão do óleo em biodiesel, principal uso do óleo residual.

O Centro de Tecnologia Sustentável da Coordenação de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) já tem uma usina piloto com capacidade para produzir 10 mil litros de biodiesel por dia. Além de lucrativo, o biodiesel é uma opção interessante do ponto de vista ambiental, por ser um combustível mais limpo e uma fonte renovável de energia, que reduz a poluição e a dependência de combustíveis fósseis.

As usinas de conversão em biodiesel são o melhor destino que pode ser dado ao produto, já que as formas de reaproveitamento mais conhecidas, na produção de sabão e de ração animal, enfrentam um sério problema: o óleo residual estocado de forma inadequada é o ambiente ideal para a proliferação de microorganismos causadores de doenças como a da vaca louca e o botulismo, de acordo com o professor Miguel Dabdoub, coordenador do projeto Biodiesel em Casa e nas Escolas, desenvolvido pela USP na cidade de Ribeirão Preto (SP). Dessa forma, destinar o óleo residual para a produção de sabão e ração seria uma ameaça à saúde pública. Quando o produto é convertido é biodiesel, o combustível é queimado a temperaturas altíssimas nos motores de automóveis. Carmem Lucariny, assessora técnica do Inea, lamenta que não haja mais iniciativas do tipo: "O grande problema é que não uma usina com a capacidade de processar óleo em escala industrial ".

Pouca gente sabe, mas o óleo de cozinha jogado diretamente na rede de esgoto é uma das principais causas de entupimento de tubulações. Uma vez que é lançado sem qualquer tratamento na pia, vaso sanitário, tanque ou em alguns casos até mesmo em bueiros de redes de água fluviais, o óleo se solidifica, prende-se as paredes do encanamento, mistura-se a outros detritos e bloqueia a passagem de água. O resultado são vazamentos, estouro de tubulação, mau cheiro e gastos extras de manutenção. Quando o óleo jogado na rede de esgoto chega aos mares e rios, o impacto ambiental é imediato, já que, além de emitir metano em sua decomposição (um dos gases responsáveis pelo efeito estufa), o óleo afeta o fitoplâncton, que é a base da cadeia alimentar aquática.

Para transformar esse problema em benefício, a reciclagem no estado do Rio atualmente é feita por meio do Programa de Reaproveitamento de Óleos Vegetais do Rio de Janeiro (Prove), coordenado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e pela Secretaria Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (SEA). "A coleta é antes de tudo um bom negócio", garante Carmem Lucariny, assessora técnica do Inea. A maior parte da coleta do óleo é feita por cerca de 80 cooperativas de catadores envolvidas no projeto, que atuam principalmente na região metropolitana e contam com o apoio da SEA na compra de equipamentos.

No interior do estado, existem pontos de coleta em Magé e Volta Redonda, que funcionam como polarizadores dos municípios vizinhos. Apesar disso, não há uma estimativa clara de quantas pessoas são empregadas pelas cooperativas ou quantos estabelecimentos são contemplados, já que o vínculo entre eles é informal. Outra forma de coleta é a feita por empresas que já perceberam o bom negócio apontado por Lucariny, uma vez que o produto tem valor de revenda alto para os padrões de lixo reciclável: já alcançou R$ 1,50 por litro, mas hoje é vendido por R$ 0,80. No estado, o principal destino do óleo coletado são as indústrias de sabão e de massa de vidraceiro. "Nossa idéia é que um dia o programa caminhe com suas próprias pernas. Enquanto isso não acontece, usamos o dinheiro do Fundo de Conservação Ambiental para fornecer equipamentos para as cooperativas, o que inclui luvas, botas e recipientes para a coleta", explica a assessora técnica do Inea.

Uma das dificuldades atualmente para a expansão do programa no estado é o fato de o programa contar apenas com dois veículos, baseados na capital, para fazer o transporte do produto. "De fato, o problema do transporte é um dos maiores gargalos", lamenta Lucariny. Existe a idéia de expandir o programa para os municípios do interior com a colaboração das secretarias municipais de meio ambiente, encarregando cada município da coleta na sua área. A SEA e o Inea, que já estão realizando reuniões com os secretários, ficariam responsáveis pela coordenação do recebimento, destinação e processamento do óleo. "Eles têm se mostrado bastante receptivos. Na última reunião que fizemos em Barra Mansa, conseguimos reunir 13 secretários", comemora Lucariny. Para ela, descentralizar a coordenação do programa é positivo porque ajuda a ter mais dados sobre a eficiência da coleta. "Hoje, o Inea só tem como saber o que fazem as cooperativas da capital. Por isso faltam dados sobre o trabalho das do interior", lamenta.

Para apoiar o desenvolvimento de programas como o PROVE, criado a partir da Lei 5.065/2007 aprovada pelos deputados estaduais, a Assembleia Legislativa do Estado tem buscado debater o assunto. Também está em tramitação na casa o Projeto de Lei 2.882/2005, que estabelece regras específicas para a reutilização, descarte, armazenagem, coleta, transporte, tratamento e destinação final de óleos comestíveis nos bares e restaurantes no estado do Rio de Janeiro. O assunto também esteve em pauta na última edição do Parlamento Juvenil, projeto que aproxima os estudantes de escolas públicas estaduais e municipais da Assembléia Legislativa abrindo a oportunidade de eles experimentarem como é atuar como um deputado. Após disputa em seus municípios, os parlamentares juvenis mais votados pelos seus pares passar uma semana na Alerj atuando como deputados, apresentando projetos de lei, discursando no Plenário e aprovando os projetos mais relevantes. Um dos projetos de lei que se destacaram na última edição, de autoria da estudante Dalmeire Aparecidade de Oliveira Andrade, de 14 anos, torna obrigatório que escolas públicas coletem de forma adequada o óleo residual de suas cozinhas. "A maioria das escolas pode coletar o óleo em suas próprias cozinhas e promover campanhas internas de conscientização", disse a aluna.

Iniciativa já dá certo em outros estados

De fato, é possível engajar escolas no processo de coleta do óleo, como mostrou o projeto piloto Biodiesel em Casa e nas Escolas, promovido pelo Laboratório de Energia Limpa da Universidade de São Paulo (Ladetel/USP) na cidade de Ribeirão Preto. O projeto é a maior prova de que reaproveitar o óleo residual na produção de biodiesel é uma medida viável a ser tomada pelo estado do Rio. "A resposta da população tem sido enorme. Contamos com a parceria de empresas como o Carrefour, que tem pontos de coleta, e do Mc'Donalds, que nos procurou para doar o óleo que sobra em suas lanchonetes. O biodiesel produzido é usado em máquinas agrícolas, tratores e caminhões", conta o professor Miguel Dabdoub, coordenador do projeto. De acordo com ele, inicialmente o projeto não era ligado às escolas. "Vimos a necessidade de fazer uma parceria com elas como forma de educar a população sobre as implicações ambientais do descarte inadequado desse óleo", afirma.