ARTIGO: O futuro do Rio de Janeiro e o petróleo

A despeito da condenação dos combustíveis fósseis como fonte de energia, o petróleo afetará a economia do estado do Rio por mais algumas décadas. Neste artigo, Paulo Vicente dos Santos Alves, subsecretário estadual de Planejamento e Gestão, fala de como o recurso é essencial para garantir que o Rio resista aos desafios do século 21.

Paulo Vicente dos Santos Alves*

Muito tem sido falado sobre o futuro do Rio de Janeiro para além do petróleo, mas a realidade é que nosso Estado ainda terá sua economia afetada por este recurso por mais algumas décadas. Existem três agendas para serem cuidadas, que podem ser simplificadamente chamadas de as agendas dos séculos 19, 20 e 21. O petróleo será necessário para não só resolver os problemas pendentes das agendas dos séculos 19 e 20 como também para preparar a o Estado para sobreviver no século 21.

A agenda do século 19 é a da universalização dos serviços básicos de água, luz, gás, esgoto e telefonia, que ainda não são universais no Estado.

A agenda do século 20 é a da industrialização. Esta agenda se desenvolveu em alguns setores, mas não em outros. O Rio fica numa posição que combina portos de grande calado e a presença de petróleo com a proximidade de minérios de Minas Gerais, as indústrias de São Paulo e os mercados de consumo de todo o Sudeste. Isto fez desenvolver as cadeias econômicas de siderurgia, cosméticos, automotiva, indústria naval, química, farmacêutica, e metal-mecânica. Entretanto, apesar de isto representar uma forte economia, todas estas cadeias são intensivas em capital, grandes geradoras de carbono, mas poucas são intensivas em mão de obra.

A agenda do século 21 é a da tecnologia e dos serviços avançados, de grande intensidade em mão de obra e produtoras de baixo nível de carbono. As cadeias econômicas desta agenda são a do audiovisual, da tecnologia da informação, pesquisa e desenvolvimento (P&D), telecomunicação, turismo e varejo. Esta é a agenda auto-sustentável para além do petróleo, baseado em uma capacidade não esgotável, que é o capital intelectual.

Porém, para superar os desafios das agendas descritas, o Rio precisará dos recursos advindos do petróleo, particularmente do pré-sal.

As estimativas pelo modelo de Hubbert das reservas brasileiras, levando em conta as perspectivas do pré-sal, indicam que o pico de produção de petróleo no Brasil deve ocorrer por volta de 2022 e deve atingir cerca de 3,2 mbpd (milhões de barris de produção por dia). É claro que estas são projeções matemáticas e, portanto, contêm uma dose de erro.

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A figura 1 (clique para ampliar) mostra uma projeção feita em 2005, antes da descoberta do pré-sal, mas já é claro que existiriam grandes reservas a serem descobertas no futuro e que elas constituiriam uma proporção maior do que tudo já produzido até então.

Para efeitos de comparação, em 2009 a Petrobras deverá produzir na ordem de 2,2 mbpd em média. Tal produção vinha crescendo por muitos anos, mas ainda numa velocidade baixa. Previsões matemáticas pelo modelo de Hubbert indicavam que novas reservas deveriam ser encontradas, isto muitos anos antes de o pré-sal ser detectado. Em 2008 a geologia descobriu o que a matemática já havia previsto: que novos campos gigantes existiam nas costas brasileiras. Ainda não se sabe, do ponto de vista geológico e comercial, o tamanho dos campos e sua viabilidade econômica, mas a matemática prevê quanto tempo durará e qual o tamanho da produção até os anos de 2050.

Sem o pré-sal a produção brasileira estaria em declínio, pois a Bacia de Campos está atingindo seu limite de produção, mas com a entrada do pré-sal haverá uma retomada do crescimento. O pré-sal representa um aumento de cerca de 50% da produção atual, mas uma extensão de tempo das reservas de cerca de 40 anos. Entretanto, o Brasil não é o único local do mundo a ter reservas de pré-sal, como se faz crer muitas vezes. A exploração econômica destas bacias pelo mundo deverá estender o ciclo do petróleo e reduzir a diferença entre a demanda e a oferta de energia nas próximas décadas, mas estará longe de satisfazer as necessidades da civilização humana.

A Figura 2 (clique para ampliar) mostra como alguns locais hoje sem nenhuma produção de petróleo podem se tornar regiões importantes como o mediterrâneo, a Polônia e o norte da Alemanha, Peru, Israel, Turquia e a Austrália.

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A demanda crescente por energia irá continuar pressionando por novas fontes de energias alternativas que podem vir a substituir o petróleo como fonte principal antes mesmo de ele se esgotar.

As curvas de aprendizado, mais uma vez modelos matemáticos, indicam que a fusão nuclear deverá se tornar uma forma mais econômica de produção de energia do que o petróleo em algum momento da década de 2050.

Isto significa que há uma grande chance de o petróleo se transformar em determinado momento numa fonte viável apenas para produção de lubrificantes e plásticos. Pelos modelos matemáticos que temos hoje, isto deve ocorrer praticamente no mesmo momento em que a produção de petróleo do pré-sal estiver se esgotando. Os momentos exatos são impossíveis de serem preditos devido aos erros contidos em qualquer modelagem matemática.

Analisando por este ângulo, se a exploração do pré-sal demorar muito, o valor futuro deste recurso poderá ser reduzido, ou até mesmo se tornar inviável economicamente a partir de certo ponto. Extrair o petróleo do pré-sal precisa de uma pressa que não foi vista no desenvolvimento da Bacia de Campos.

Hoje o dinheiro gerado pelo petróleo no Rio de janeiro vai para dois usos no nível estadual, 5% são destinados ao Fundo Estadual de Compensação Ambiental (Fecam) e 95% vão para o Rioprevidência para cobrir a deficiência de arrecadação no modelo atual das previdências.

A parcela do FECAM acaba sendo utilizada em projetos ambientais e nos ligados ao transporte ferroviário metropolitano (metrô) e de saneamento que cumprem uma função dupla de atender ao ambiente e à saúde.

A parcela destinada ao Rioprevidência cobre uma lacuna que de outra forma teria de ser coberta por ICMS, pressionado ainda mais as contas do Estado e talvez forçando o aumento dos impostos.

Existe uma aparente contradição no uso das receitas de petróleo para cobrir as previdências, uma vez que o dinheiro que deveria ser aplicado na preparação do futuro acaba sendo usado para cobrir as deficiências de receita geradas por um modelo falho e insustentável.

Entretanto, este modelo de previdência de solidariedade entre gerações existe em todo o mundo e se tornou uma bomba relógio marcada para explodir na década de 2020, quando diversos sistemas de aposentadoria deverão entrar em colapso no mundo. Na atual situação, o Rioprevidência deverá ser uma exceção. Desta forma curiosamente ao garantir o passado o modelo nos garante o futuro, fazendo com que o Rio tenha uma travessia calma num ambiente que deverá ser cada vez mais turbulento.

Podemos agora montar um cenário para o futuro do Rio de Janeiro, mais uma vez calcado em projeções de modelos matemáticos. Estamos na fase final do que se chama de quinto ciclo de Kondratieff, que começou em 1980 e deverá terminar em 2030.

Cada ciclo começa com a uma fase de recuperação da crise que fechou o ciclo anterior. No nosso caso foi a década de 1980, marcada pela recuperação da crise do petróleo na década de 1970. Em seguida veio uma fase de crescimento rápido, os exuberantes anos da década de 1990 e o começo da década corrente. Matematicamente, em 2005 cruzamos para a terceira parte do ciclo onde a expansão econômica dá lugar ao esgotamento. As crises de 2007 e 2008 mostram os primeiros sinais deste período. A fase final do ciclo deve vir a ocorrer na década de 2020 quando o esgotamento virar uma crise generalizada.

Ainda é impossível dizer qual será a razão que transformará o esgotamento em crise. Pode ser uma crise ambiental como a redução dos volumes dos rios por conta do degelo de geleiras, uma crise de energia com o esgotamento gradativo das reservas de petróleo, ou ainda uma razão política ou social. Mas tudo indica que o Rio de Janeiro viverá duas décadas (2010 e 2020) como um porto seguro num ambiente cada vez mais turbulento no panorama mundial.

Nossa estratégia de sobrevivência não pode prescindir do petróleo que estabilizará a economia e as contas do Estado. Tal riqueza está sendo bem utilizada, mas na medida em que as reservas econômicas do RioPrevidência ficarem mais robustas e as contas do Estado mais estáveis será possível utilizar parte destes recursos para eliminar as dívidas da agenda do século 19, e investir na agenda do século 21, uma agenda para além do petróleo.

O futuro do Rio deverá passar por utilizar o petróleo como alavancador de capital intelectual de grande valor agregado. Desta forma um recurso esgotável terá sido utilizado para criar um valor sustentável no longo prazo. Educação, conhecimento, ciência e tecnologia são os valores que devemos ter como objetivos finais do uso dos recursos do petróleo.

*Paulo Vicente dos Santos Alves é subsecretário estadual de Planejamento e Gestão