Boas Idéias em Sustentabilidade: entrevista com Sylvia Wachsner

Diretora da Sociedade Nacional de Agricultura fala sobre a produção de alimentos orgânicos no Rio. Para ela, o nicho pode gerar empregos e ajudar a desenvolver economicamente o estado.

Sylvia Wachsner é diretora da Sociedade Nacional de Agricultura e há muitos anos milita pela popularização dos produtos orgânicos em todo o país. Para ela, o estado do Rio tem grande potencial para produção e consumo desse tipo de alimentos, bastando para isso um esforço conjunto do poder público e da sociedade civil. Na entrevista a seguir, Wachsner fala sobre as dificuldades do pequeno produtor e sobre as possíveis soluções para o setor.


Qual a situação atual da produção de orgânicos no estado?

Lamentavelmente, ela é muito pequena. Muitos agricultores, principalmente os de frutas, legumes e vegetais, têm desistido de seus negócios, e outros passam a vender produtos convencionais nas feiras municipais. Tudo isso devido a problemas de logística e falta de apoio público. Outro gargalo que a Sociedade Nacional de Agricultura faz questão de frisar é a falta de legalização dos produtores, de um CNPJ, que permitiria vendas ao varejo, como restaurantes, hotéis etc. Também é preciso dar acesso a crédito. São poucos os produtores familiares de orgânicos com a Declaração de Aptidão, que permite acesso aos financiamentos do PRONAF. Também são poucas as agroindústrias no Estado do Rio, de pequenos produtores, com capacidade para beneficiar produtos orgânicos e agregar valor.

E existe espaço para o crescimento do mercado de orgânicos no estado do Rio? É um negócio interessante para alguém que esteja pensando em empreendê-lo? 

Existe um enorme espaço para os produtores orgânicos no Rio de Janeiro. Alguns dos principais supermercados locais comercializam olerícolas de empresas paulistas. Esse mercado deve ser ocupado pelos nossos agricultores familiares, pequenos produtores e associações fluminenses. Não faz sentido comercializar nas grandes redes produtos perecíveis que, para chegar ao Rio, trafegam centenas de quilômetros.  
  
O estado do Rio é conhecido por ter um agronegócio pouco desenvolvido. Será que uma solução não pode ser a especialização no mercado de orgânicos? 

O agronegócio do estado do Rio de Janeiro não pode ser comparado com o agronegócio de estados cujos produtores ocupam  grandes extensões de terra, como Goiás, Mato Grosso ou Tocantins. Em nosso estado o agronegócio, em mãos de muitos pequenos produtores, deve possibilitar que eles ofereçam ao grande mercado, que é a cidade do Rio, produtos com valor agregado. Sob esse aspecto os produtos orgânicos, que não levam agrotóxicos, representam produtos com valor agregado.

Será que temos potencial para nos tornarmos um estado exportador, escoando a nossa produção para outros estados ou mesmo outros países? 

Ser um estado exportador é sempre interessante, mas exportador de que produtos? Exportar cafés especiais, que levem certificação orgânica e de sustentabilidade ambiental, pode ser interessante. Assim como exportar produtos beneficiados, ou industrializados orgânicos, como sucos, molhos, etc. Podemos exportar alimentos cujos ingredientes vêm de outros estados mas são industrializados no Rio de Janeiro. Com isso incrementaríamos a mão-de-obra fluminense.

Quais as principais dificuldades que um produtor de orgânicos encontra para fazer prosperar o seu negócio? 

O produtor orgânico é um herói que se mantém no negócio por teimosia e por acreditar que é importante oferecer à população produtos sem agrotóxicos, que fazem bem à saúde pública, que são mais nutritivos, ajudam a restauração da biodiversidade,  protegem a vida animal e vegetal, e que também são mais saborosos. Esse herói enfrenta todo tipo de obstáculos, como falta de sementes orgânicas, falta de assistência técnica, falta de pesquisa que ajude a incrementar a produtividade, embalagens muito caras, uma logística de comercialização ainda não adaptada para o transporte de pequena carga. A certificação dos produtos ainda é complicada. Finalmente, chegando ao varejo, é preciso ter recursos para financiar descontos, promoções, aceitar devoluções de produtos não vendidos etc. Além disso tudo, é necessário conhecimento para negociar com empresários acostumados a tratar com grandes empresas alimentícias.

E em termos de infraestrutura (estradas, transporte etc.), quais são as dificuldades do produtor?

Muitos produtores não possuem meios de transporte nem de câmaras frias para armazenar os produtos. É preciso que haja veículos refrigerados para manter a temperatura dos produtos in natura, sobretudo durante o verão. Também é preciso melhorar as condições de nossas estradas.

Existe alguma coisa que o poder público possa fazer por esses produtores? Algum projeto de lei? Como é  a relação com a Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do Estado do Rio? 

O poder público é obrigado a cumprir seu papel, ou seja, permitir que os produtores orgânicos continuem a crescer e não desistam de seus negócios. Lamentavelmente há casos de alguns que desistem de continuar produzindo orgânicos e preferem voltar a produções convencionais, por dificuldades em vender e escoar seus produtos. O poder público pode pressionar os municípios a incluir nas merendas escolares produtos orgânicos da região onde se encontram. Todas as famílias, sobretudo os estudantes, teriam assim acesso a uma alimentação mais gostosa e saudável, reduzindo os gastos com a saúde e ajudando a economia rural dos municípios. Numa visita que fiz a produtores familiares no Rio Grande do Sul, encontrei um município com câmaras frias, colocadas à disposição dos produtores. O produtor pagava cerca de R$ 70 mil mensais para alugar espaços nas câmaras frias. Isso permitia que os produtos vendidos nas feiras municipais chegassem frescos. Oferecer produtos frescos aos consumidores significa menos desperdício, e ao mesmo tempo maior lucro para os produtores. Outra boa iniciativa seria incrementar as feiras municipais para permitir  aos produtores-vendedores maior contato com os consumidores. E também ampliar as atividades da Secretaria de Agricultura de nosso estado no capítulo dos orgânicos.

Uma cultura orgânica emprega quantidade menor, igual ou maior de pessoas na produção? 

A cultura orgânica emprega maior número de pessoas, relativamente à cultura convencional, pois não utiliza agrotóxicos. Com isso, muitas atividades tornaram-se manuais, e a mecanização fica reduzida, devido ao tamanho das propriedades ou sítios orgânicos.

E o mercado consumidor? Continua crescendo ou será que chegamos a um teto? Existe algo que se possa fazer para expandi-lo?  

O consumo não chegou ao teto, ainda representa um nicho de mercado.  Políticas públicas que ajudem a escoar a produção podem ajudar na expansão do mercado consumidor. Refiro-me a medidas que permitam maior contato dos produtores familiares com os consumidores através de feiras, mercados municipais etc. E volto a lembrar o consumo de orgânicos nas merendas escolares.

Alguns ambientalistas dizem que a produção orgânica é mais onerosa do ponto de vista ambiental do que a produção convencional, justamente pelo maior tempo de cultivo e criação de animais. Essa crítica procede?  

A crítica não procede, já que são justamente os produtores orgânicos que cuidam do meio ambiente e sua sustentabilidade, não utilizam agrotóxicos e sustâncias que poluem rios. A agricultura orgânica é o sistema de produção que exclui o uso de fertilizantes sintéticos de alta solubilidade e agrotóxicos, além de reguladores de crescimento e aditivos sintéticos para a alimentação animal. Na produção orgânica  temos uma menor dependência de insumos externos. Busca-se maximizar  a conservação dos recursos naturais e a reciclagem de energia e nutrientes.

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