OsteRio: Duas ou três coisas que eles falam sobre nós

Nona edição do encontro reúne três correspondentes da imprensa estrangeira para debater a imagem que a cidade e o país refletem para o resto do mundo. Para os presentes, para mudar a imagem da cidade é preciso antes mudar a própria cidade

Rosa Lima

Para muita gente, eles levam um vidão. Passam o dia na praia, frequentam bons restaurantes e festas badaladas, sempre a convite de celebridades do mundo da política, dos negócios, do esporte ou do entretenimento. Ganham dinheiro à beça. E ainda falam da vida da gente pro mundo todo.

Foi mais ou menos assim que o italiano Rocco Cotroneo definiu, arrancando risos dos presentes, a função que ele e seus colegas de mesa exercem no país. Segundo, é claro, uma visão completamente equivocada e preconceituosa. Rocco é jornalista e correspondente para a América Latina do maior diário italiano em circulação, o Corriere Della Sera. Junto do americano Mac Margolis, da revista Newsweek, e da argentina Alicia Martinez Pardies, da agência de notícias Ansa, da Itália, eles foram os convidados da segunda-feira, 29 de junho, para a nona edição do OsteRio, a série de encontros promovidos pelo Iets, com o apoio da Light e da Osteria Dell'Angolo, para discutir o futuro do Rio do Janeiro.

E como a construção desse futuro passa pela compreensão da imagem que o mundo faz de nós, ouvir o que pensam (e falam) aqueles que com seu trabalho ajudam a pintar nosso retrato para quem vive fora do país seria o caminho mais natural, justificou André Urani, do Iets, mediador e um dos mentores do OsteRio.

Não tão natural assim, pelo menos para dois desses correspondentes estrangeiros. Tanto Rocco Cotroneo quanto Mac Margolis se mostraram críticos com relação ao poder que eles e seus veículos têm de construir ou destruir imagens. "Se a imagem do Rio mudou foi porque o Rio mudou. Não existe isso de se decidir a priori qual a linha editorial sobre uma cidade ou um país", disse Rocco. "Eu não conspiro para criar imagem. Há muito de fantasia nisso de querer buscar uma especificidade do olhar estrangeiro. Nossa pauta muda quando a pauta do país muda", acrescentou Mac.

Pauta ampla

Há muitos anos cobrindo a América Latina e tendo o Rio como pouso principal - Mac está aqui há 26 anos e Rocco há 11 - ambos disseram que essa pauta mudou muito. E pra melhor. "Quando eu cheguei a pauta era essencialmente exótica, hoje falamos de tudo", disse Mac. "Eu me orgulho de nunca ter escrito uma única matéria sobre carnaval", frisou Rocco, para quem os anos 90 foram os piores para a imagem do Rio no exterior. "As chacinas da Candelária e Vigário Geral associaram a cidade à imagem de milhares de meninos de rua. Hoje não existe mais uma imagem única consolidada. Há uma transição gradual em curso, de que a Lapa com sua transformação espontânea é um bom exemplo", acredita.

Alicia, que é também presidente da Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil, foi a que chegou há menos tempo. Veio em 2003 para ficar um ano e acabou se fixando no Rio até hoje. "Cheguei no primeiro ano da era Lula e queria estar aqui para ver até que ponto ele seria capaz de mudar os estereótipos do Brasil como o país do samba, do futebol, da violência e da pobreza", disse.

"Seis anos depois", contou a jornalista argentina, "esses temas permanecem, mas o leque de pautas é muito mais amplo. Hoje o Brasil tem um papel cada vez mais importante no cenário internacional. Quem é que iria imaginar o presidente dos Estados Unidos chamar o presidente do Brasil de "o cara"? O povo brasileiro também mudou e melhorou sua auto-estima. O que buscamos fazer, como jornalistas, é refletir essa mudança em curso".

O debate que se seguiu aos depoimentos dos três jornalistas girou em torno justamente da transformação por que passam o Rio e o Brasil e da responsabilidade de se reportar esse processo para que o mundo tenha a real dimensão do que está ocorrendo aqui.

Há 35 anos trabalhando como correspondente brasileiro no exterior, o jornalista Silio Boccanera, da Rede Globo, falou do ponto de vista de quem acompanha de fora os fatos que fazem parte do nosso cotidiano. "Nesses anos todos, vi a imagem do Brasil passar de horrenda, nos anos 70, para boa. O desenvolvimento do país é reconhecido, assim como a história pessoal do presidente Lula, mas há dois aspectos negativos em evidência: a violência e o desmatamento da Amazônia", disse Silio.

Omissão do governo

Segundo ele, iniciativas de boicotes a produtos brasileiros (móveis e carne, sobretudo) ganham corpo no exterior, e o governo brasileiro não está sabendo responder. "Os diplomatas têm medo de se manifestar, e o próprio presidente perdeu a oportunidade de falar com a imprensa na reunião do G-20, em Londres, que reuniu milhares de jornalistas do mundo todo. Temos um longo caminho a percorrer nesse sentido".

Embaixador do Brasil em Washington nos anos 80, o ex-ministro Marcílio Marques Moreira concordou com Sílio. "Diplomata não gosta de se comunicar. Nosso maior problema hoje nem é tanto nossa imagem negativa, mas nossa não-imagem. O mundo vai ser cada vez mais sensível às exigências ambientais e não estamos sabendo trabalhar bem isso", disse.

O historiador Marcos Alvito chamou atenção para o fato de que, desde o mito das três raças, o olhar estrangeiro sempre foi chave para construção da nossa identidade. "No mínimo esse olhar proporciona um estranhamento para fatos que tendemos a naturalizar. Como a total ausência de negros nesta sala, por exemplo". A visão preconceituosa e estereotipada que os próprios cariocas e os brasileiros em geral têm de si mesmos foi destaque na sua fala, assim como nos apartes do jornalista Xico Vargas e da vereadora  Andrea Gouvêa Vieira, que questionou ainda por que os correspondentes tendem a creditar as melhoras do país mais à história pessoal de Lula do que à continuidade de um processo iniciado no governo anterior.

Justificando que isso tem a ver com o momento por que passa o jornalismo, de valorizar personagens e "esquentar pautas" para sobreviver à crise, eles reconheceram que há um perigo, sim, de se cultuar a imagem do Brasil a partir de trajetórias pessoais. "Precisamos tomar cuidado com isso", admitiu Mac Margolis.

André Urani também estranhou que eles só falassem de pobreza quando este não é o grande problema do Brasil, e sim a desigualdade. Margolis alegou que sua revista abordou o assunto pelo víeis inverso, o da queda da desigualdade, que o país vem registrando nos últimos anos. Mas fechando a noite, Alicia Martinez Pardies deixou o recado que a construção de uma boa imagem do Rio e do Brasil é tarefa nossa. "A desigualdade no Brasil ainda é brutal e não somos nós, correspondentes, que falamos isso, mas os indicadores. A responsabilidade por mudar isso é de vocês, brasileiros. Nós só contamos as histórias".

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