Octavio Mello Alvarenga: Justiça agrária o quanto antes

Neste artigo, presidente da Sociedade Nacional de Agricultura fala sobre o recorrente problema dos conflitos no campo e sobre a necessidade de se instituírem tribunais especializados

Octavio Mello Alvarenga*

A problemática rural tem muito pouco (ou nada) a ver com o pai da psicanálise. Foi, porém, dentro da imensa biografia de Freud, escrita por Peter Gay (Companhia das Letras, 1988), que encontrei um recorte de jornal, onde pude reler um artigo sobre a questão agrária. Fazia referência ao assassinato de um líder dos sem-terra no Estado do Paraná, em Querência do Norte, no dia 21 de novembro de 2000. Época do governador Jaime Lerner.

Ao mencionar outro caso, mais recente, ocorrido em Pernambuco, e que envolveu quatro assassinatos, a deputada federal Iriny Lopes descreveu: “As cem famílias que ocupavam essas áreas esperavam, há oito anos, que a Justiça parasse de ceder às artimanhas jurídicas que tentam reverter as desapropriações”. Ou seja, não se tratava de uma invasão, mas de um ato de protesto pela morosidade de se dar cumprimento a uma desapropriação já decretada.

Após citar dados impressionantes da Comissão Pastoral da Terra, a deputada declarou: “A omissão e a morosidade do Judiciário permitiram que a situação chegasse a um nível de tensionamento, com agressões (...)”.

Repetindo uma tese que o Instituto Brasileiro de Direito Agrário vem propondo desde 1967 – endossada pela Associação Latino-Americana de Direito Agrário no ano seguinte – está mais do que na hora de instituir tribunais agrários especializados.

De que maneira? O primeiro passo será efetivar as idéias do senador Afonso Arinos de Mello Franco, que propôs a criação da Justiça Agrária na época em que presidia a Comissão de Sistematização da Constituição, em julho de 1987. No ano passado, o deputado Sabino Castelo Branco, do Amazonas, não somente aproveitou a letra do senador mineiro, como elaborou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 246/2008), que hoje adormece nos escaninhos da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Em suma, o deputado pede a alteração do capítulo terceiro da Constituição para permitir a criação do Tribunal Superior Agrário:

Art. 126 A -  (...)  §1º. O Tribunal Superior Agrário compor-se-á de quinze Ministros, togados e vitalícios, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, dos quais nove escolhidos dentre juízes dos Tribunais Regionais Agrários, dois integrantes da carreira da magistratura agrária, dois dentre advogados e dois dentre membros do Ministério Público Federal. (...)

 Art. 126 D - A lei disporá sobre a organização e o processo da Justiça Agrária, bem assim, a atuação do Ministério Público, observados os princípios desta Constituição e, especialmente, as seguintes diretrizes:

 I - Compete à Justiça Agrária processar e julgar:

 a) causas originadas de discriminação e titulação de terras, incluindo as devolutas do Município, do Estado e da União;

 b) questões fundiárias decorrentes da desapropriação por interesse social ou para promoção da reforma agrária;

 c) questões relativas ao desapossamento e desapropriação por utilidade e necessidades públicas em zona rural;

 d) questões relativas às terras indígenas;

 e) dissídios trabalhistas referentes a questões agrícolas, sem prejuízo da manifestação da Justiça do Trabalho.

 II - O processo perante a Justiça Agrária será gratuito, prevalecendo os princípios da conciliação, localização, economia processual, simplicidade e celeridade.


 É imperativa a sensibilização da classe política, a fim de que possamos instituir uma justiça de paz para todos.


(*) Octavio Mello Alvarenga é presidente da Sociedade Nacional de Agricultura