OsteRio: Uma verdade inconveniente... e urgente

Reunidos na sétima edição do evento, especialistas em meio ambiente alertam: consequências do efeito estufa são graves para o Brasil e para o Rio. E já começaram. É preciso combatê-las imediatamente

Rosa Lima 

Na véspera da apresentação do primeiro relatório oficial americano a reconhecer os danos do aquecimento global, o sétimo encontro do OsteRio esquentou a noite fria do pré-inverno carioca na segunda-feira, 15 de junho, com uma discussão calorosa. O tema em pauta eram as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável. No que acabou sendo o mais profícuo e longo dos debates da série até agora – durante três horas ninguém arredou pé do segundo andar da Osteria Dell’Angolo, em Ipanema – os presentes se deram conta de uma verdade mais do que inconveniente, urgente: as consequências do efeito estufa são graves e já começaram. E mais: países como o Brasil e estados como o Rio de Janeiro são os que mais têm a perder. Ou adotamos já um modelo de desenvolvimento sustentável, baseado em baixo carbono, ou perderemos nossas fontes de recursos mais preciosas. E corremos o risco de, em breve, não termos desenvolvimento algum.

Na mesa, três grandes especialistas discorreram sobre o tema: a cientista Suzana Kahn Ribeiro, diretora de mudanças climáticas do Ministério do Meio Ambiente; o sociólogo Sérgio Abranches, diretor e colunista do site O Eco; e o economista Sergio Besserman Vianna, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável e Governança Metropolitana da Prefeitura do Rio. Na plateia, gente de governo, de empresas, de ONGs, estudantes, professores, jornalistas e profissionais das mais diferentes áreas com algumas questões em comum: qual a real extensão do problema? Como ele afeta o Brasil e o Rio? O que podemos fazer, como indivíduos e sociedade, para reverter a situação?

Falso antagonismo

Ganhadora do Nobel da Paz de 2007, como uma das integrantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, Suzana Kahn Ribeiro abriu o encontro chamando atenção para a visão equivocada que ainda hoje prevalece no debate ambiental: a do antagonismo entre desenvolvimento e meio ambiente. “O desenvolvimento envolve questões ambientais e sociais além das econômicas. Não são questões antagônicas. Estamos falando de um tipo de desenvolvimento. O que precisa ser internalizado como fundamental é o conceito de sustentabilidade”, afirmou Suzana.

Segundo ela, no que tange a questões climáticas, o Brasil só vai perder menos do que os pequenos países insulares, que correm até o risco de desaparecer do mapa. “Dos grandes, o Brasil é o país que mais vai sofrer”, disse, explicando que dependemos muito da agricultura, um setor fortemente afetado pelo aumento das temperaturas, assim como as florestas, que serão perdidas em parte, e os recursos hidrelétricos, que tenderão a diminuir.

O Rio de Janeiro, por sua vez, por ser um estado eminentemente costeiro, sofrerá muito com o aumento do nível do mar, que intensificará as enchentes tanto na costa quanto na Baixada. Para fazer frente a isso, Suzana diz que precisamos investir tanto na mitigação das mudanças climáticas, reduzindo as emissões de gases-estufa, quanto na adaptação a elas, adequando nossos solos, sistemas de transporte e de saneamento a uma nova realidade climática. “Deveríamos investir agora na renda do petróleo para pavimentar um desenvolvimento que não seja tão dependente dele. Não podemos nos dar ao luxo de perder essa oportunidade”, defendeu.

Para Sérgio Abranches, que também faz diariamente o comentário sobre desenvolvimento sustentável na Rádio CBN, estamos decidindo hoje o cenário que queremos ver no futuro, mas o fenômeno é presente e as mudanças já são visíveis, como as enchentes ocorridas em Santa Catarina e no Piauí. O cientista político diz que o Brasil tem condição de ser a primeira potência de baixo carbono do século 21, porque pode fazer essa transição de forma muito mais barata do que os demais países. “Temos muitas fontes alternativas de energia, além de uma matriz razoavelmente limpa, apesar dos esforços que o governo faz para sujá-la.  A maior parte das nossas emissões vem do desmatamento da Amazônia, todo ele ilegal. Se não tivermos certeza de que o filé que estamos comendo vem de frigoríficos certificados, estaremos contribuindo para o efeito estufa”, disse.

Quanto ao Rio, também rico em fontes alternativas de energia, Sérgio Abranches defende que ele precisa redesenhar suas prioridades, desocupando suas encostas (“favela é imposição, não escolha”), ordenando o trânsito para evitar a excessiva emissão de gases (“é preciso retirar das ruas ônibus e vans piratas) e buscando uma forma mais inteligente de desenvolvimento que aproveite melhor seus capitais. “O setor de serviços é um exemplo. Temos um ISS tão alto que nosso capital intelectual prefere se mudar para São Paulo”, criticou.

“Precisamos começar a rediscutir nossa vida, repensar nossa cidade e nosso país em prol de uma qualidade de vida melhor. Desenvolvimento é possível, sim, como ganho de bem estar e redução de emissões de carbono”, finalizou.

Economia de baixo carbono

Terceiro a falar, o economista Sérgio Besserman começou sua intervenção lembrando o discurso de Toni Blair na abertura do G8 do ano passado, quando ele disse que estávamos diante de mudanças imensas. “É muito mais do que isso. É uma verdadeira revolução: histórica, política, humana. A queda do Muro de Berlim é bolinho perto do que está em curso”. Buscando ser bem pragmático, usando a linguagem dos negócios para não deixar dúvidas de que não se trata de uma visão romântica, ele propôs raciocinarmos em termos de risco:

“Primeira hipótese é o problema não existir. Risco zero. Ele existe e é grande. Quem está em risco? Primeira propensão nossa é achar que a natureza. Não é. O planeta é muito velho e já passou por problemas maiores. Pode levar 5 milhões de anos, mas ele se recupera. O que está sob risco é a civilização que conhecemos. Hoje emitimos em média 1,5 tonelada de gases-estufa na atmosfera, os americanos emitem 5,5. Para termos um cenário razoável, precisaremos baixar nossa emissão para 0,5 tonelada de carbono e ao mesmo tempo incorporar 8 bilhões de pessoas. Com esse tipo de desenvolvimento não dá, acabou. Business as usual não é mais possível. O prazo é 100 meses, e a previsão é os oceanos subirem em média 40 centímetros nos próximos anos, o que já nos coloca em risco.”, disse.

Para o comentarista de meio ambiente da Globonews o caminho para deter esse processo é passarmos, num prazo muito curto, para uma economia de baixo teor carbono. E cobrar pelas emissões. “Quer andar de carro? Paga. Quer comer carne vermelha? Paga”. No caso do Rio, vamos ter que gastar fazendo adaptações para proteger as populações em risco. E investir nos nossos melhores ativos intangíveis, como no capital intelectual que temos no Cenpes, no Cepel, na Coppe, para o desenvolvimento de novas tecnologias, ou na nossa marca, que são nossas florestas urbanas e nossas águas”, defendeu Besserman.

Na sequência, as reações da plateia não foram menos contundentes. O ex-ministro Marcílio Marques Moreira lembrou que em 1986, em Washington, o embaixador era proibido de falar com ONGs ambientalistas e que mudar essa mentalidade para o Rio receber a Eco 92 foi um grande esforço. “Crise é o momento de repensar modelos e valores. E não estamos fazendo isso. É preciso repensar cidade, mobilidade e energia. Cidade e automóvel são incompatíveis”, afirmou.

Diretora da ONG Comunidades Catalisadoras, Theresa Williamson sugeriu adoção de medidas no Rio que ajudariam a reduzir a emissão de gases e melhorar a qualidade do ar: uma política de arborização da Zona Norte, com pouquíssima cobertura verde atualmente, e incentivo a condomínios para a utilização da energia solar.  O arquiteto Washington Fajardo, subsecretário de Patrimônio Cultural da Prefeitura do Rio, falou do papel das novas tecnologias na construção de uma nova civilização e terminou por sugerir uma completa mudança no nosso Código de Obras, arcaico, e a adoção de “soluções verdes”.

Ana Toni, diretora da Fundação Ford, levantou a questão de como quebrar o imobilismo, tanto individual quanto coletivamente, a que se seguiu uma discussão sobre a importância e os limites da ação individual. “O cidadão se sente um bobo se esforçando para adotar hábitos mais ecológicos enquanto o governo reduz IPI para incentivar a venda de automóveis”, era a ideia. A jornalista Miriam Leitão chamou atenção para o fato de o governo brasileiro estar patrocinando uma série de medidas que aumentam o desmatamento e que o BNDES ainda não havia se manifestado sobre o financiamento a frigoríficos que produzem carne em área desmatada ilegalmente.

Ao final, palestrantes e plateia parecem ter chegado ao consenso de que o consumo consciente e outras ações individuais são importantes como princípio e como efeito contaminador para a sociedade, mas que fazer política, com P (maiúsculo), votando conscientemente e pressionando governo e congressistas a adotarem políticas públicas mais adequadas à urgência do problema que o clima apresenta, continua sendo uma arma fundamental da democracia.