OsteRio: Cidadania qualificada

Sexta edição do evento apresenta a iniciativa Rio Como Vamos, que há dois anos produz indicadores sobre a cidade para que a população possa monitorar e cobrar ações do poder público

 Rosa Lima 

“Queremos qualificar a opinião política de quem quer participar dos destinos do Rio. Esse é o nosso principal foco: produzir um retrato confiável da cidade, com dados que possam ser usados pela própria população para monitorar e cobrar ações das autoridades públicas”. Assim a presidente-executiva do Rio Como Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira, apresentou o movimento que há quase dois anos vem instrumentalizando a ação da cidadania no Rio de Janeiro.

A iniciativa foi tema do sexto encontro OsteRio, realizado na noite de segunda-feira, 8 de junho, na Osteria dell´Angolo, para debater o futuro do Rio. Na mesa, além de Rosiska, estavam a cientista política e jornalista Lúcia Hippolito, âncora do programa de rádio CBN Rio, e o mediador André Urani, pesquisador do Iets. Na plateia, representantes de empresas, do poder público e de várias ONGs, como Iser, Viva Rio, IBP, Associação Comercial, Disque Denúncia e Vivacred, dentre outras.

Permeando a discussão, três questões principais mobilizaram os presentes: de que Rio devemos tratar, da cidade ou da Região Metropolitana? O RCV deve ser uma iniciativa que cobre resultados dos poderes públicos ou que disponibilize sistematicamente indicadores de qualidade de vida que permitam aos cariocas melhorarem suas escolhas? E, por fim, como transformar dados em ação?

Rosiska abriu a noite falando dos motivos que levaram à criação da ONG: um enorme mal-estar causado por um fosso cada vez maior entre “nós”, os cidadãos, e “eles”, os políticos. Traduzindo em números: 42% dos cidadãos cariocas não sabem o que faz a Prefeitura nem a Câmara dos Vereadores, constatou pesquisa realizada pelo Ibope. “Havia um nervo morto na política, um caminho de participação, de ser cidadão, que estava completamente anêmico”, contou Rosiska, explicando o que levou um grupo de indivíduos de diferentes origens a se unir em torno de uma iniciativa que fosse capaz de diminuir esse fosso.

O caminho escolhido foi municiar a população com informações quantitativas (uma cesta de 90 indicadores das diversas áreas de atuação municipal, monitorada anualmente) e qualitativas (pesquisas de percepção para avaliar o que o carioca pensa do Rio) que apontem as principais carências da cidade e indiquem se as ações dos governos estão sendo efetivas ou não.

“Estamos procurando espalhar ao máximo esse instrumento, buscando articulação com os braços vivos da sociedade que sirvam de relé para provocar uma revitalização da vida política na cidade”, disse Rosiska, finalizando sua fala com uma apelo à participação, sem a qual, disse, o campo democrático não se consolida.

Colapso da representação

Para Lúcia Hippolito, a relação distante entre cidadãos e autoridades constatada por Rosiska Darcy é sintoma de um fenômeno mais amplo que classificou de colapso da representação. “O sistema de representação no Brasil faliu. E no Rio, particularmente, vivemos uma situação aguda desse fenômeno”, disse, citando a altíssima abstenção no segundo turno das últimas eleições municipais: “Que cidade é esta em que 900 mil pessoas deixam de votar para ir pra praia? Isso quer dizer alguma coisa sobre o compromisso do cidadão carioca”.

Lúcia classificou como importantíssima a iniciativa do Rio Como Vamos para acabar com o divórcio entre a população e seus representantes. “A cidade depende de nós. E informação é recurso de poder”, disse, lembrando que na capital paulista o movimento Nossa São Paulo conseguiu aprovar uma lei que prevê sanções aos governantes que não cumprirem as metas estabelecidas para seu mandato.

No Rio, segundo Rosiska Darcy, o prefeito Eduardo Paes também se comprometeu a enviar projeto semelhante para a Câmara até setembro. “Vamos cobrar”, disse Lúcia, enfatizando, porém, a necessidade de ampliarmos nosso olhar para a Região Metropolitana, já que nossos principais problemas são comuns a todos os municípios em torno do Rio.

Aberto o debate, a empresária Celina Carpi, uma das criadoras do Rio Como Vamos e sua primeira presidente-executiva, falou das origens do movimento, inspirado no colombiano Bogotá Como Vamos, e de uma lição aprendida: “Uma coisa que aprendemos é que se cria uma espiral de necessidades. As pessoas querem sempre mais: depois de conquistarem a praça, querem equipamentos, depois a luz, para ocuparem a praça a noite, e assim vai. A espiral leva à atitude, que é o que queremos no momento”.

Mas qual o melhor caminho a seguir? Focar a atuação em “diagnóstico” ou “tratamento” foi uma das questões da noite. Thereza Lobo, secretária-executiva do Rio Como Vamos disse que a ONG, segundo pesquisa de percepção encomendada por eles, é identificada como “movimento da Zona Sul”. “Temos que aceitar e assumir esse rótulo, mas o que fazer para que nossos números se transformem em ação?’’, questionou.

Termômetro, não aspirina

Zeca Borges, do Disque-Denúncia, disse que aprendeu duas lições à frente do movimento: que ONG não substitui governo e que sem apoio da população não se chega a lugar nenhum. Ao que David Zylbersztajn, do conselho do Rio Como Vamos, reagiu: “Não pretendemos substituir nem governo nem população. Não damos aspirina, mas termômetro”, disse, reforçando o foco do RCV num instrumento de medição de qualidade de vida à disposição da população.

Geiza Rocha, secretária-geral do Fórum de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio, que reúne 29 entidades fluminenses, acredita que a participação da população passa por promover a articulação e o diálogo entre o poder público e a sociedade civil. E convidou a todos a conhecer o fórum e participar do site www.querodiscutiromeuestado.rj.gov.br

Em meio à discussão, José Arnaldo Rossi, da Firjan, lembrou que a ideia do OsteRio era produzir conhecimento que leve a ação e propôs que se fechasse ali uma agenda: “Por que não criar, por exemplo, o Penha Como Vamos, o Madureira Como Vamos e comprometer a Prefeitura com metas para as diversas áreas? Se não, vamos terminar abraçando o Obelisco, e isso ninguém aqui quer”, disse Rossi, provocando risos na plateia.

Retomando a palavra, Rosiska Darcy esclareceu que o Rio Como Vamos já esteve com quatro secretários municipais (Educação, Saúde, Fazenda e Ordem Pública) e pactuou com eles um certo número de metas a serem cumpridas. “Não produzimos só números nem conhecimento acadêmico”, disse, informando que já estão também com projetos na Maré e no Leme onde serão criados o Maré Como Vamos e o Leme Como Vamos.

“A forma e o resultado que essas iniciativas terão não podemos prever. Mas elas serão tanto mais eficazes quanto mais pudermos aproximar esse plano de metas das necessidades reais dos bairros”, finalizou.