Eloysa Simão: Quem vê moda como coisa de perua tem que estudar História

A indústria da moda moveu revoluções industriais e é um dos principais empregadores brasileiros. Este é o argumento de Eloysa Simão, organizadora do Fashion Business, para defender o setor contra quem diz que moda é "coisa de perua". Nesta entrevista, ela cobra apoio do estado para o setor e fala de como estão as exportações, dentre outros assuntos.

Se o Brasil quiser competitividade no mercado internacional de moda, deve encontrar um estilista que mude o olhar do mundo sobre o vestir, como fez a estilista francesa Coco Chanel em seu país. O argumento é da diretora da Dupla Assessoria, Eloysa Simão, organizadora do Fashion Business. Nesta entrevista, ela analisa a importância de o Rio sediar grandes eventos e como o Poder Legislativo pode apoiar a moda fluminense. Ela também aponta como estão as exportações no setor e afirma que o Brasil já conseguiu se destacar na moda verão, mas ainda tem que suar para conseguir o mesmo status na moda outono-inverno.

Eventos como o Fashion Business mostram o tamanho do setor e sua importância econômica. Mas ainda há quem veja a moda como "coisa de perua"? O que você diria a estas pessoas?

Quando digo que os políticos têm que olhar com outros olhos, é disso que estou falando. Vejo pessoas saudarem montadoras de automóveis, que empregam de 700 a 800 pessoas. Uma confecção média emprega a mesma coisa e é um instrumento gerador de desenvolvimento econômico muito grande. Além disso, [o setor de moda] permite que a mulher trabalhe em casa, crie seus filhos e não dependa do marido. A moda foi um instrumento importante em países como a Itália - e isso está se repetindo em países como Índia e China -, promovendo a organização da economia e tirando-a da informalidade, por permitir o trabalho familiar e em cooperativas. Ela é um dos principais braços da indústria criativa, que é essa indústria em que eu, minha mãe e meu irmão sabemos fazer um fuxico muito bem, inventamos um blazer disso e transformamos em uma indústria. Quem ainda vê moda como coisa de perua tem mais é que estudar História. A vestimenta teve predominância em vários momentos como geradora de desenvolvimento, mobilizou revoluções industriais. É claro, ela lida com o glamour e a beleza, mas as artes plásticas lidam com a mesma coisa e ninguém acha que os artistas são alienados.

O que o governo e o Poder Legislativo podem fazer para fomentar a indústria da moda?

O papel deles é apoiar os empresários e ajudá-los a se desenvolver. No setor da moda, acho que é a hora de discutirmos a excessiva tributação. Esta é uma época do ano em que as confecções e lojas tem um faturamento que cai e elas precisam contar com a compreensão do governo, no sentido de adiar o pagamento desses tributos ou buscar um acordo com os empresários em troca da estabilidade de emprego para os funcionários. Sabemos que as demissões no setor são grandes. Vejo que vários outros setores são merecedores de acordos com o governo - o automobilístico e o imobiliário, por exemplo - e acho isso maravilhoso, mas é bom lembrar que a moda também merece esse apoio. A indústria da moda é um dos maiores empregadores do país e, por isso, merece essa compreensão [por parte das autoridades]. Porque o papel do governo é este: discutir com os empresários de que forma eles podem melhorar seu instrumento de trabalho, gerando mais desenvolvimento para todos.

Como estão as exportações?

A exportação não está num bom momento. O dólar está muito baixo e a nossa roupa muito cara. Além disso, competimos com os mercados emergentes, como Índia e China. O principal problema é que nossa moda outono-inverno não é atrativa, porque ainda não temos um estilo genuinamente brasileiro, uma assinatura. Ainda não tivemos a nossa Chanel, um estilista que mude o olhar do mundo sobre o vestir. Já no verão, somos muito competitivos com a moda praia. Aí sim temos liderança mundial. Na estação outono-inverno só somos competitivos em setores específicos, como o de joias e bijuterias. De oito prêmios anuais desse setor, pelo menos seis vão para brasileiros, porque temos um design marcante e original. Outra área competitiva é a de sapatos, com destaque para o Sul do país, onde a indústria modernizou seu maquinário e passou a produzir calçados com qualidade reconhecida internacionalmente. A terceira área que destaco é a moda festa, por incrível que pareça. Isso porque nossa tradição artesanal - representada pelas bordadeiras e rendeiras - ainda tem muita força. Há uma tendência mundial de agregar o artesanal e o mundial na moda festa.

Como está o setor de moda do Rio de Janeiro em comparação com São Paulo?

São Paulo tem muita força industrial e estilo, sempre teve. Só que o Rio tem uma criatividade e uma forma de se reinventar que são próprias do carioca. Isso em parte é devido ao fato de que não somos uma cidade construída, mas uma cidade que se integrou à natureza, o que faz o carioca ter uma dimensão clara da força da natureza. Na cidade construída pelo homem, como São Paulo, o ego das pessoas é maior. Na cidade construída pela natureza, olhamos o horizonte e sabemos que não somos tão grandes assim. Isso faz o carioca não se levar tão a sério, o que traz a liberdade de ele se reinventar o tempo inteiro.

E como isso se refleta na moda produzida aqui?

Tivemos uma liderança muito grande na moda dos anos 1970 e 1980. Nos anos 1990, tivemos uma crise e perdemos lideranças importantíssimas. Já nos anos 2000, os cariocas se reinventaram: hoje as marcas do varejo que mais crescem são daqui. Essas marcas criaram uma expressão chamada "fast fashion", que define uma roupa com um código de moda, mas que é fácil de vestir, descomplicada, não é cara e por isso atende a uma gama imensa de pessoas que querem usar roupas novas e não têm dinheiro para gastar fortunas. Isto foi criado pelos cariocas e é uma prova de sua capacidade de se reinventar.

A que você atribui o sucesso do Fashion Business?

O Fashion Business tem reunido empresas do Brasil inteiro. O sucesso vem em parte porque ele acontece em um cartão-postal, permitindo que as pessoas trabalhem, mas usufruam das belezas locais. É um evento que você respira moda onde entra. Um confeccionista me disse: "Esse é o único evento do país que realmente se posiciona como uma marca lançadora". Conseguimos fazer um salão de negócios sem perder o DNA da moda.

E, dentro deste contexto, qual a importância de o Rio sediar grandes eventos como este?

Nós somos a capital a indústria criativa nacional. Essa indústria muitas vezes é formada por duas ou três pessoas que inventam uma forma diferente de viver e de criar, e moda está inserida nesse setor. Acho que um estado que cumpre esse papel tem que ter todos os anos, o ano inteiro, muitos eventos e promoções. Essa é a nossa vocação - turismo, publicidade, teatro, artes plásticas. Porém, apesar de sermos a capital dessa indústria [criativa], muitas vezes não conseguimos divulgar todo nosso potencial e acabamos perdendo eventos turísticos ou festivais artísticos para outros estados. Nesse sentido, o Rio de Janeiro sediar grandes eventos é importante porque é um grande impulso para profissionalizar essa vocação e tirar mais partido dela. Os eventos esportivos que estão por vir nos ajudarão a formar profissionais capazes de atrair e atender a outros ainda maiores, além de ajudar a divulgar nosso estado como um polo turístico e criativo.

O Rio está preparado para sediá-los?

Já provamos que sim. Apesar do pessimismo eles foram maravilhosos, exemplares. Só que o fato de estarmos preparados e termos condições de organizá-los não significa que não tenhamos que nos esforçar para sermos mais profissionais e sediarmos eventos ainda maiores, que é a consequência natural desse processo. A nossa geografia é linda, porque permite que as pessoas trabalhem com prazer. Isto é essencial, uma vez que a tecnologia tomou grande parte do nosso tempo de descanso. Ninguém mais passa um fim de semana sem olhar o e-mail. A tecnologia nos faz trabalhar mais, por isso é importante ter bem estar no trabalho, mais lazer - especialmente em locais mais agradáveis. E isso o Rio permite. Nossa natureza é uma das mais bonitas do mundo e talvez ela seja o grande trunfo que temos neste momento.

Você acha que o Rio pode se tornar uma marca?

Não acho que o Rio vai se transformar numa marca, ele já é. O Rio já é o grande cartão de visitas do Brasil. Quando viajo ao exterior, os olhos das pessoas brilham quando falo que sou daqui. Todo mundo que exporta sabe que o comprador estrangeiro quer vir para cá, quer fazer negócios aqui. A primeira pergunta que ele faz é se a empresa fica no Rio.