Boas ideias em Energia: entrevista com Geraldo Tavares

Pesquisador da UFF defende o uso de energia eólica como solução barata, eficiente e ecologicamente correta para o Brasil. Para ele, tornar essa matriz uma realidade é apenas uma questão de estabelecermos a lei adequada

Geraldo Tavares é professor da Universidade Federal Fluminense e há quinze anos estuda o potencial de implantação da energia eólica no Brasil. "A eletricidade gerada com a força dos ventos é barata, eficiente e ecologicamente correta. Para se tornar realidade, precisa apenas que o Governo estabeleça um marco regulatório", defende ele. Na entrevista a seguir, o pesquisador fala sobre os benefícios econômicos da instalação de parques eólicos, o potencial de desenvolvimento no interior do estado do Rio e algumas questões levantadas por ambientalistas.

Diz-se muito que o Brasil tem um excelente potencial para a energia eólica. Qual a razão desse bom potencial?

Sobretudo a velocidade média dos ventos. Mas, além disso, há regiões em que os ventos são constantes, como o Nordeste. Isso nos possibilitaria construir máquinas menos robustas e mais baratas, que não precisam resistir a rajadas.

Então cada região precisa de equipamentos especialmente feitos para se adequar às suas condições naturais?

É uma questão de adaptação. O equipamento é produzido para o mundo inteiro, mas você ganha os mercados locais fazendo adaptações para tirar o máximo das condições da região. Com os mesmo ventos, você passa a produzir mais. Mas isso só acontece quando aquela região virou um mercado, porque ninguém muda uma linha de produção pra vender meia-dúzia de máquinas.Na hora em que quisermos comprar mil máquinas, todas as empresas virão fabricar os melhores equipamentos para o Brasil.

Instalar um aerogerador em uma região traz benefícios econômicos para os seus habitantes?

Traz, e muito. Cada megawatt gera 1,3 empregos. Só em termos de emprego, estamos falando de uma indústria que hoje emprega cerca de 400 mil pessoas no mundo inteiro. E você gera muito emprego justamente no interior, que é onde há maior necessidade de criação de vagas de trabalho. Mesmo depois da instalação, é preciso mão-de-obra pra fazer manutenção do local. Além disso, o dono do terreno enriquece, porque pode ganhar até 2% sobre a energia produzida, e com isso ele desenvolve a região, aquece a economia e gera um círculo virtuoso. E mais: os aerogeradores atraem uma porção de turistas, porque é uma coisa muito nova.

Quer dizer, seria interessante para o estado do Rio abrigar usinas por aqui.

Seria, claro.E existe potencial natural a ser explorado.Mas aqui tudo depende muito mais da questão da tarifa do que de qualquer outra coisa. O fundamental é que o produtor possa vender a energia gerada a uma tarifa compatível, e atualmente isso é estabelecido em nível federal. A política do Rio de Janeiro nessa área ainda é irrisória. Está estabelecido que para construir uma usina térmica você tem de produzir 4% de energia renovável. Mas isso é incipiente, acaba funcionando como uma desculpa pra construir usinas térmicas no estado.

E quais as regiões do estado do Rio que seriam mais propícias para a instalação de aerogeradores?

Na Região das Baixadas Litorâneas, Arraial do Cabo, Búzios e Cabo Frio; no Norte do estado, destaco São Francisco de Itabapoana, onde há praias ainda não tomadas pela especulação imobiliária.

Concretamente, o que é que o poder público pode fazer para ajudar na implementação da energia eólica no país?

Basicamente, a lei de energias renováveis. Se fizerem uma lei adequada, o resto os empresários e as universidades resolvem. Se não fixerem a lei adequada, não tem jeito.

O que o senhor acha da lei atual?

Eu não sou contra a lei atual. Ela foi um avanço, porque alguma lei é muito melhor do que nenhuma. O Proinfa [programa do Ministério de Minas e Energias para a diversificação da matriz energética do país, criado em 26/04/2002, pela Lei nº 10.438, e revisado pela Lei nº 10.762, de 11/11/2003] foi muito útil, sobretudo no sentido de mostrar para os empresários que as energias renováveis são um negócio lucrativo.Porque os empresários também são muito conservadores, eles não querem investir dinheiro em aventura.

E qual o modelo ideal para a nova lei?

Sou a favor daquele princípio de Lavoisier: aproveitar o que já existe de bom. Não é o caso de copiar, porque as nossas culturas são muito diferentes, mas a lei alemã pode servir como base para um debate já que ela resolveu o maior problema do investidor, que é o medo dos bancos. Eles avaliaram que cinco anos seria o tempo razoável para pagar um empréstimo de banco, então estabeleceram uma tarifa que tornasse possível fazer o pagamento nesse prazo. A partir do momento em que o banco está pago, a tarifa é reajustada para os níveis do mercado, o que evita que o empresário ganhe dinheiro injustamente. Trata-se de uma queda gradual do subsídio, num mecanismo tarifário chamado feed-in, que estabelece e reajusta os preços.

E é um bom negócio?

Um excelente negócio, muito sólido, que rende 20% ao mês e de forma segura. Ninguém pode viver sem energia. E o custo para operar uma usina é muito barato. Além disso, como se trata de uma tecnologia nova, os avanços técnicos vão trazendo melhoras. Aos poucos a gente vai aprendendo a localizar os melhores parques, os fabricantes vão fazendo equipamentos mais baratos e com maior eficiência.  

Quer dizer que o governo é absolutamente fundamental nesse processo?

Claro, como em qualquer coisa. Quer ver um exemplo claro disso? Gás natural para carros.Por que é que o Rio está lotado de carros a gás? Por causa dos subsídios. Se o seu carro é a gás, você tem desconto no IPVA [Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores]. Então, no fundo, é tudo uma questão de visão política.

Como são feitos os estudos para avaliar o potencial de produção eólica numa região?

Na verdade, o vento é um rio. A única diferença é que você não sabe onde está o leito desse rio. Se você puser dois anemógrafos [aparelho que mede a velocidade dos ventos] a cem metros um do outro, pode ser que em um deles você capte vento, no outro não. Como o vento não tem um leito definido, é preciso fazer essas adaptações.Por isso os aerogeradores têm um mecanismo de direcionamento do vento para captá-lo da melhor maneira possível. No Brasil, o mapeamento é feito para você escolher a região mais adequada, não o terreno específico dentro dessa região. As medições mais específicas têm de ser feitas no próprio terreno.

E como andam as pesquisas pra isso?

Bom, aí é preciso fazer umas distinção entre o que é função do governo e o que é função da iniciativa privada. A função do governo é definir os recursos, identificar o local onde estão as jazidas, produzir os mapas eólicos. Aqui eu gostaria de mencionar o Antônio Leite [pesquisador da área de energia eólica do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica - CEPEL], que foi o pesquisador que montou o mapa eólico do Brasil. Mas o mapa que ele produziu foi feito com uma determinada tecnologia da época, então foi necessário fazer um novo mapa, mais preciso, que deve ficar pronto em dois ou três meses. Mas, com o mapeamento atual, nós já sabemos onde tem e onde não tem vento no Brasil. Com isso, cada empresa interessada tem que fazer as suas medições específicas.Nesse campo, muitas medições têm sido feitas. No próximo verão, teremos uns 4 mil megawatts já medidos, cuja viabilidade já foi aferida.

Você acha que num futuro de médio ou longo prazo a energia produzida em usinas eólicas pode ser a principal fonte de energia do Brasil?

Não, a principal fonte não vai ser nunca em lugar nenhum do mundo, porque você não pode ter controle absoluto sobre esta fonte de energia. No caso da energia elétrica, existe uma lei física limitadora: ela tem de ser gerada no momento em que é consumida. Como você não controla o vento, que é bem menos previsível que um rio, o ideal é que a energia eólica seja uma porcentagem, entre 20% e 30% da geração de um país.

A que você atribui a resistência ao uso de energia eólica no Brasil?

Eu acho que a principal resistência é cultural.O Brasil tem tradição de rios, não de ventos. Os bandeirantes, as expedições pela Amazônia, tudo isso foi feito pelos rios. Nós temos uma vasta cultura de conhecimento a esse respeito. Já sobre ventos, até há pouco tempo sabia-se muito pouco, exceto alguma coisa no Ministério da Agricultura, na Marinha e na Aeronáutica. Os nórdicos, ao contrário,desde antes de Cristo iam até a Inglaterra, em navios que pareciam casquinhas de noz, pra roubar mulheres e dinheiro. Isso exige grande conhecimento das correntes de vento.

Exceto a imprevisibilidade do vento, a energia eólica não tem nenhuma desvantagem em relação às demais energias?

Na verdade, a geração de energia hidráulica também tem esse mesmo problema de imprevisibilidade, a não ser as que têm reservatório. A hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, que gera 12 mil megawatts, vai passar três meses sem produzir nada, porque sem chuva não há produção. E a produção eólica também deu um grande salto nesse sentido quando passaram a pensar o vento de maneira diferente. Antes se pensava a eólica como uma geração; agora se entende a eólica como uma carga negativa. E por que isso? Porque o operador de um sistema não tem nenhum controle sobre a carga. Carga é o consumo de energia, e esse consumo pode variar imensamente. Então, em vez de considerar a produção de energia eólica como geração, basta considerá-la como carga negativa. Quando entramos com a energia eólica, diminuimos a geração; quando interrompemos a produção eólica, temos de aumentar a geração.

Nos últimos cinco ou dez anos o custo de produção de energia eólica tem caído bastante e constantemente. Chegamos a um piso ou ainda é possível baixar mais?

É possível baixar muito ainda. A energia eólica, tal como ela existe, começou a ser produzida entre 1985 e 1990. Temos algo em torno de 20 e 25 anos de tecnologia. A hidráulica e a térmica têm mais de cem anos de tecnologia desenvolvida.Então temos ainda muito espaço pra melhorar. Por exemplo: há algum tempo era impossível prever o comportamento do vento. Hoje, com a tecnologia de que dispomos, é possível fazer essa previsão com uma grande precisão.

E como você vê o interesse das universidades brasileiras em investir nesse tipo de pesquisa e em baratear a produção de energia eólica no Brasil?

Essa é uma briga minha antiga. Acho que 95% dos nossos problemas seriam resolvidos com tecnologia. E ainda há o grande risco de querermos reinventar a roda e acabarmos inventando a roda quadrada. É loucura querer reinventar uma tecnologia que já existe e que já é comercial.O grosso da tecnologia já existe desde 1895. Quanto à tecnologia específica para as condições brasileiras, ela só vai ser desenvolvida no momento em que começarmos a aplicá-la aqui, no momento em que começarem a aparecer os problemas. Por exemplo: o sistema de controle pode aumentar de 10% a 15% da produção de energia. O sistema de controle que existe foi desenvolvido para os ventos europeus. É preciso trazê-lo para cá e adaptá-lo para os ventos brasileiros. Nessa hora, o dinheiro para pesquisa vai surgir com abundância.

Exitem ambientalistas que alegam que os aerogeradores ameaçariam determinadas espécies de pássaros.Esse é um problema real?

Os estudos dizem o seguinte. Sabe quantos pássaros morrem se chocando contra hélices de aerogeradores?Não passa de 0,6 pássaro por ano. Sabe quantos morrem se chocando contra vidraças domésticas? Uns 300 por ano. Sabe quantos morrem como presas de gatos? Uns 10 mil por ano. A questão é a seguinte: energia é um mercado em que o jogo é muito pesado, realmente bruto. Imagine aprovarem uma lei que faz com que alguém deixe de produzir 10 bilhões de dólares em energia elétrica. Então é comum inventarem os maiores disparates para se opor a determinadas soluções. É claro que um ou outro pássaro vai morrer, mas é uma coisa irrisória. É preciso levar em conta que, com o tempo, os pássaros aprendem que ali tem uma eólica e desviam as suas rotas.

Outra questão que os ambientalistas levantam é o ruído das usinas.

Essa é outra bobagem. Quando as usinas foram construídas pela primeira vez, elas produziam mais ou menos 120 decibéis a uns 20 ou 50 metros de distância. Isso á um valor alto. Com isso, os governos europeus, que são inteligentes, condicionaram o subsídio à diminuição de ruído. Os produtores aperfeiçoaram a tecnologia e, hoje, o nível de ruído está a 60 decibéis, o que é bastante razoável. Claro que ninguém vai construir uma usina desse porte no meio de uma metrólpole, até porque não tem vento. Hoje, se você tiver habitantes a 500 metros da fronteira do parque eólico, o ruído é muito menor do que o do próprio vento. Então esse também é um problema superado.