Boas idéias em Legado da Copa e Olimpíadas: Entrevista com o Professor Lamartine da Costa

Relativizar o conceito de legado vendo-o como um processo e inovar na utilização das arenas pós-jogos são os desafios lançados pelo professor Lamartine da Costa, da Universidade de East London (Reino Unido) e do Instituto de Educação Física e Desportos da UERJ, nesta entrevista.

Inovar na utilização das arenas pós-jogos e na visão de legado. É esse o desafio lançado pelo professor Lamartine DaCosta, da Universidade de East London (Reino Unido) e do Instituto de Educação Física e Desportos da UERJ. Nesta entrevista ele fala sobre a importância de olhar o legado como um processo e de abandonar o gigantismo, ajustando a dimensão dos megaeventos esportivos, como Olimpíadas e Copa do Mundo, para as realidades locais. Não fazer isso, segundo ele, pode significar a morte. Relativizar o conceito de legado vendo-o como um processo, pode permitir uma recuperação dos investimentos feitos nas estruturas de forma gradual. Para o professor, é o uso das estruturas pós jogos que devem ser o foco, para que elas não se transformem em elefantes brancos. "Até agora o legado vem sendo entendido como um delivery. Todo mundo se organiza para, dentro daquelas datas, entregar o que é necessário para as competições e a mobilidade urbana. Acontece que nem sempre você termina. Nenhuma edição de Jogos Olímpicos ou da Copa isso foi perfeito. Talvez a Alemanha seja uma exceção. Ou seja, nada substitui o planejamento, porém, quando o planejamento não funciona, há a necessidade de ir além da entrega", explica.


Como megaeventos esportivos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, podem desenvolver a cidade em que estão sediados?

Tendo um efeito de catalisador. O megaevento esportivo é basicamente econômico, mas tem várias dimensões, até a esportiva. Uma dessas dimensões é a política. É muito difícil hoje, numa grande cidade, coordenar todos os interesses, e às vezes os projetos não andam porque encontramos dificuldades de gestão. Um megaevento estabelece prazos e cria uma espécie de objetivo político para a cidade: de aperfeiçoamento e de desenvolvimento de projetos que antes estavam parados. E os políticos não vão contra isso, porque ser contra isso é ser contra a população. É o que está acontecendo no Rio. Há 30 anos não se fazia obras para melhorar mobilidade urbana, logo a mobilidade era sistema falido e sucateado. Vai demorar muitos anos para consertá-la, mas já estamos vendo o BRT implantado, a linha 4 de metrô deve ficar pronta em 2016, e a linha 3, que vai pra Niterói, será anunciada até o final do ano. Não falo em nome do Governo, e não faço parte de governos, mas a gente vê a reação deles para ir ao encontro das necessidades da cidade.


Isso por causa da visibilidade internacional da cidade?

Esse é um dos fatores, mas o maior deles é que um megaevento traz muitos benefícios para uma cidade. Vários deles basicamente econômicos, mas tem muitos outros inclusive de gestão. Da minha parte, gosto muito do incentivo à gestão porque estabelece objetivos e padrões a serem alcançados.


No texto "Novas interpretações de legados de Megaeventos Esportivos segundo o estado atual do conhecimento científico", o senhor afirma que a deficiência no tempo de entrega e no exercício financeiro podem ter uma recuperação progressiva. Como se dá essa recuperação?

Essa é a minha tese central, que acho, está começando a colar. Até agora o legado vem sendo entendido como alguma coisa que se entrega, um delivery. É o que acontece com os estádios, todo mundo se organiza para, dentro daquelas datas, entregar o que é necessário para que haja as competições e a necessidade de mobilidade urbana. Acontece que nem sempre você termina. Nenhuma edição de jogos olímpicos ou da copa isso foi perfeito. Na Alemanha foi perfeito porque já existia a mobilidade urbana, realmente os estádios foram construídos em tempo. Ou seja, nada substitui o planejamento, porém , quando o planejamento não funciona, há a necessidade de ir além da entrega. Não se pode abandonar,criar um elefante branco, e isso tem acontecido em muitos lugares. A proposta é de o legado ser entendido como um processo, e não como uma entrega.


Há muita confusão sobre esse conceito de legado.Qual é o conceito que o senhor defende?

A melhor definição de legado é a seguinte: processo de entrega de uma instalação esportiva no tempo que for necessário para que se possa realizar o evento, mas cujas obras devem continuar depois da entrega. Este é o conceito que estou propondo. O conceito tradicional não está funcionando. Nos jogos de Beijing, por exemplo, que foram gigantescos com custo elevadíssimo, houve problemas com o meio ambiente. Proteção de meio ambiente é tema delicado na China, e praticamente impossível de resolver,que tem milhares de fábricas jogando fumaça de carvão. Mas a cidade melhorou, o metrô de lá foi um milagre: foram construídos mais de 30 km de linhas em poucos anos. Eles são eficientes, mas o problema do meio ambiente não se resolveu com todo o dinheiro que eles dispunham.


As obras que devem continuar seriam as obras de entorno?

Sim, e devem continuar com a mesma disposição. O problema é que essas cidades sedes são tão deficientes em gestão que mesmo tendo dinheiro eles não fazem. Se você colocar isso em um processo, não dispensa a cidade de fazer a mobilidade urbana depois de passada a Copa. Se não, para onde vai o dinheiro? Se o dinheiro é para mobilidade urbana vamos manter na mobilidade, trata-se de consertar o erro e de utilizar o recurso adequadamente.


Quem fica responsável por essa administração depois de passado o evento?

A prefeitura. Em qualquer lugar é assim. Megaevento é cidade, então a gestão é local.


Só assim para reverter a opinião pública de que sediar megaeventos provoca queda de eficiência nos serviços públicos?

A opinião pública não vai mudar. Estão usando os megaeventos e estão certos, eu faria o mesmo. Se está dando certo para Copa do Mundo, então porque não se faz isso em Educação, Saúde, etc? Tem uma lógica, é inegável. Mas o megaevento não tem nada a ver com isso. Ele está sendo instrumentalizado, e às vezes, até demonizado. O megaevento não esvazia a educação nem a saúde, trata-se de um elemento de riqueza: cria emprego e vontade política, que é inerente a ele.


O lado econômico pode ser estimulado através do turismo, por exemplo, que é um produto de baixa previsibilidade?

O turismo tem baixa previsibilidade pois não sabemos como se comportará. Ele tem sempre uma resposta no longo prazo. Vamos ver o retorno da Copa do Mundo para a cidade do Rio de Janeiro ao longo dos anos.


Esses produtos de baixa previsibilidade deveriam receber mais investimentos para as Olimpíadas de 2016?

Existe uma escola que atualmente está prevalecendo. Estou prestes a aderir a ela, que é reduzir ao máximo o custo dos megaeventos. Esse gigantismo vai aniquilar as grandes instituições de esporte, que é o caso da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional (COI). O gigantismo cria problemas para a cidade. O megaevento deve ter um tamanho ótimo para cada cidade. Cada vez há mais opiniões neste sentido. A pesquisa que participo atualmente com as Universidades de Mainz, na Alemanha, e com a de Barcelona está recolhendo informações dos especialistas por entrevistas e questionários e muitos estão comentando isso: os megaeventos não tem uma dimensão adequada a cada cidade e isso é um equívoco.


O que é esse gigantismo? São superestádios e gastos excessivos?

Sim, mas não é só sobre estádio. Os centros de mídia, por exemplo, são gigantescos, os maiores do mundo. A quantidade de gente da mídia que vem é gigantesca. No Brasil tem 19 mil jornalistas. Não existe maior exposição do que essa na mídia internacional. Nós atingimos 3,5 bilhões de pessoas agora, imagina qual será o número no final da Copa? Ele se paga por si mesmo, mas para você organizar isso tem que criar uma estrutura gigantesca. É um investimento muito grande. Eu estou citando a mídia, mas há muitos outros elementos. As instalações poderiam ser mais baratas ou até eliminadas. Para que precisamos de um velódromo do Rio? Já é o segundo que se faz, é exagerado. Isso sacrifica a cidade.


Mas isso não é um problema da gestão, também?

É um problema de gestão do COI e da FIFA. Eles resistem em abandonar a tradição por que se garantem nela. Mas essa tradição é um veneno para eles mesmos.E é fácil provar: sete cidades europeias e uma asiática já abandonaram o compromisso de sediar jogos olímpicos de inverno e, no caso da asiática, dos jogos asiáticos. Essas cidades fizeram uma coisa muito interessante: um referendo. Você votava se queria o evento ou não. Viena foi uma dessas cidades, Zurique, Cracóvia - na Polônia, Hanói - no Vietnã, são outras. Daqui a pouco não tem cidade que possa fazer os Jogos Olímpicos. Fica uma coisa inviável pelo gigantismo. Ele precisa diminuir de tamanho para que não seja uma ameaça à população local.


Como o senhor relaciona as Olimpíadas de 2016 com o desenvolvimento da Megalópole Rio de Janeiro-São Paulo?

Você tem que pesquisar os legados em diversas dimensões que não são tangíveis. Nos Jogos Olímpicos de Beijing, o maior objetivo não era tangível, ou seja, não se podia dimensionar. Era a projeção da China no mundo. Isso foi assumido oficialmente pelo Governo. Tudo foi feito nesse sentido, mas a que custo? Qual é o impacto disso? Não sabemos. Então a gente pode observar outros aspectos intermediários, mas não conseguimos dimensionar totalmente. Mas podemos levantar fatores e impactos positivos que possam resultar em uma melhoria da cidade. Aqui no Brasil, no caso dos Jogos Olímpicos de 2016 , uma série de objetivos já foi observado.Todo o mundo sabe que melhora o turismo, que a linha do metrô vai chegar na Barra, mas fui naquela que não é visível no projeto, que é a megalópole Rio-São Paulo (SAM Rio). Ela já existe, não fui eu que inventei isso. Desde 2000 o professor Bruno Padovano e seus colegas, da arquitetura da USP, estudam essa megalópole. Aqui no Rio de Janeiro, a Associação Comercial (ACRJ) há alguns anos fez o mesmo estudo. Então adotei esse exemplo como típico de que uma cidade pode ganhar como legado uma vez que o assuma porque já existe, não vai se gastar dinheiro algum. Essas duas cidades juntas não podem ter uma administração única porque na nossa constituição não tem lugar para megalópole, só para município, estado, e governo federal. Mas você pode ter elementos de coordenação. Em São Paulo existem vários, e no Vale do Paraíba também. A mais conhecida é a do Rio Tietê, os municípios que o Tietê une por acordos para explorá-lo melhor e proteger a natureza. No eixo Rio-São Paulo, ao longo do Vale do Paraíba, os municípios estão se entendendo para distribuição e coleta do lixo.


O senhor acha que as Olimpíadas vão acarretar no desenvolvimento de São Paulo também?

Se você assumir a área dos jogos, sim. São Olimpíadas da SAM Rio, isso é muito grande para o pensamento pequeno dos políticos brasileiros. Mas temos que pensar em inovação e sermos audaciosos. Não adianta copiar Londres, nem Beijing, elas não tem nada a ver com Rio de Janeiro. Nós temos que ver ao redor o que pode ser explorado. A subdiretora geral do Fórum Geiza Rocha me deu o exemplo da comida orgânica: isso é uma inovação. Em torno do Rio de Janeiro tem vários produtores. Por que não explorar esse conceito da alimentação de qualidade junto aos atletas e projetar a produção para a melhoria das condições de emprego do Rio e do país? Tudo pode ser feito. Os sujeitos só ficam pensando no que funciona dentro da tradição do megaevento, que é gigantesco. Aí o fracasso é um risco maior. Nós temos que ser audaciosos.


Qual vem sendo o papel das Universidades para a execução dos encargos das Olimpíadas e para a construção desse legado?

A minha resposta é direta e objetiva: focar no legado. Foi aí que houve o acordo entre a Universidade Gama Filho, que não existe mais, com o Fórum de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio. Nós organizamos um encontro junto à Universidade de East London e compareceram 32 universidades. Muitos trabalhos foram apresentados, nós ainda vamos disponibilizar isso. Foi uma tentativa de ver o que nem os políticos, nem os organizadores estão vendo. Esse é o nosso papel.


Para o senhor, em que medida a experiência da Copa do Mundo vai servir como aprendizado para as Olimpíadas de 2016?

A Copa foi um teste fantástico de capacidade. Apesar de todos os erros, demonstrou-se que quando se mobilizam os recursos obtêm-se algum resultado. Não houve planejamento, isso é um grande erro, tenho pavor do jeitinho. Eu quero transformar o jeitinho num processo.


O senhor acha que para as Olimpíadas está havendo mais planejamento do que para a Copa?

Eu acho que sim, porque a Copa abriu as portas para saberem que a gente tem que fazer alguma coisa. Tem muita gente criticando e pouca gente pensando e inovando, a começar pelos próprios organizadores: eles não se entendem, não aparecem...


A questão de pensar em inovação tem ficado mais a cargo da Academia?

Sim, nosso grupo, que agora é da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), só pensa em inovação. Esse é o objetivo do país, e queremos que seja também dos Jogos Olímpicos. Para a Copa não dá mais certo, mas tenho dois alunos estudando inovações para melhor utilização dos Estádios. Isso é transformar legado em processo. Não se trata de abandonar os estádios, mas de melhorar a situação dos estádios. Depois da Copa esses estádios não podem ser abandonados. Na África do Sul meia dúzia de estádios foram abandonados. Atenas é um cemitério de instalações. Beijing têm várias instalações abandonadas, isso não pode acontecer.


No Rio essas instalações devem ser aproveitadas pelo setor esportivo?

Nem sempre. Os estádios estão se transformando em multi-funcionais. Estádio pode ser também museu, restaurante, pode ter espetáculos. Eu considerei o estádio da Arena Pantanal, em Cuiabá, o máximo, a inovação da inovação. Eles vão abandonar o futebol e transformar o estádio em uma arena de rodeio! Lá não tem público nem times que possam sustentar o estádio, então transforma-se em outra coisa, e vai ser a grande sede do rodeio no Brasil. O rodeio, no Brasil, gira tantos recursos quanto o futebol, talvez até mais. Agora vai haver outro polo de desenvolvimento em um lugar onde todos gostam do assunto. Qual é o problema? Isso se chama inovação: coisa de gente nova, que inventa.Não se pode ficar na tradição. A tradição chama-se morte.

Por Beatriz Perez.