Boas ideias em agricultura orgânica com Mauro Tereso

Os produtos orgânicos já chegaram ao mercado brasileiro há algum tempo. Porém, devido a algumas circunstâncias, o setor de agricultura orgânica não é tão produtivo quanto o da inorgânica. Para falar sobre isso, conversamos com o professor da Unicamp, Mauro Tereso.

Os produtos orgânicos são sadios e cultivados sem agrotóxicos e sem fertilizantes químicos e ao contrário do que muitos pensam são intensivos em tecnologia. Por isso, são menos prejudiciais à saúde. O professor de Ergonomia da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas, Mauro Tereso, explicou os benefícios desses e os desafios enfrentados pelos produtores. “Os produtores orgânicos para serem competitivos no mercado não têm outra alternativa: desenvolver tecnologias próprias”, afirma ele. Confira a entrevista abaixo.

1 - Quais as dificuldades enfrentadas pelos produtores orgânicos?

Do ponto de vista tecnológico, a grande diferença é não ter no mercado tecnologia na forma de produtos que tenham sido concebidas para agricultura orgânica. Na pesquisa que fiz, adotei como referencial teórico uma teoria onde a tecnologia é vista sobre diferentes perspectivas. Há a tecnologia produto, que são as máquinas, ferramentas e equipamentos que, quando usadas, aumentam a produtividade do trabalho. Outro viés é a tecnologia processo que é, por exemplo, o tratamento de água, a agricultura em si, a maneira como se trabalha o solo e as plantas. Outro tipo é a organização do trabalho que resulta em aumento da produtividade. E, por último, as estratégias de marketing. Do ponto de vista dos agricultores, eles tem muita dificuldade na tecnologia produto porque tudo que existe no mercado hoje é feito para a agricultura convencional. Com isso, eles precisam fazer diversas adaptações para usá-los e, na maioria das vezes, elas não surtem efeito e, consequentemente, não geram a produtividade necessária.

2 – Quais as diferenças no plantio da agricultura comum e a orgânica?

A agricultura convencional é um modelo baseado na mecanização intensiva e usa quimificação. A agricultura convencional é baseada em fontes exógenas de energia, fontes essas que estão fora da propriedade. O petróleo que move a máquina por exemplo, não foi produzido ali, ele veio de fora.  Antes, a agricultura utilizava fontes endógenas de energia, onde todo o necessário para o processo de produção era encontrado dentro da própria propriedade. A agricultura orgânica foi desenvolvida sobre alguns parâmetros criados no Japão e é uma agricultura que nega a utilização dos químicos fundamentalmente. Ela não nega os processos mecânicos, mas os químicos sim. A recuperação do solo, a sua proteção, tudo é feito sem produtos químicos. É um tipo de agricultura que tem como princípio trabalhar a diversidade da produção, diferentemente da monocultura, que é característica da produção convencional. Ela procura atuar com o princípio da sustentabilidade e mantêm laços com o meio, por isso sempre existe uma área de preservação nas propriedades e praticamente é uma agricultura que não interfere no meio ambiente.

3 – Quais os benefícios da agricultura orgânica?

Primeiro porque o que ela produz é absolutamente isento de agrotóxicos e agroquímicos. Para quem já experimentou, um dos fatores é o paladar. O produto orgânico é muito mais saboroso, mais gostoso. O tomate, por exemplo, é mais doce. Porém, o benefício mais importante da agricultura orgânica é o efeito a longo prazo para a saúde humana. Uma alimentação orgânica praticamente eliminaria a chance de desenvolver o câncer, devido ao fato de que muitos deles são gerados por agrotóxicos. Logo, o país gastaria menos com saúde. Existiriam mais pessoas saudáveis e menos doentes.

4 – A maioria dos produtores orgânicos são certificados? Qual a importância dessa certificação?

 

Para ser reconhecido como orgânico, precisa ser certificado. Isso hoje é lei. Você pode até ter prática orgânica, mas se não tiver certificação não pode vender o que produz como orgânico. A certificação garante o selo de que é orgânico. Ela é importante porque define parâmetros para saber como aquele produto foi produzido, garante que aquele produto é realmente o que você pensa ser.

5 – Já existem grandes produtores orgânicos?

Sim. Um exemplo que conheço são os produtores de açúcar orgânico, o Grupo Native, que são os maiores produtores de açúcar orgânico do mundo. Eles chegaram a essa condição depois de muito investimento em tecnologia. A maneira como eles fazem colheita, preparo de solo, tudo foi estudado antes. Muita tecnologia foi desenvolvida pelo próprio grupo. Eles têm controle biológico de pragas. Se tem determinado fungo por exemplo, eles tem um inseto que come aquele fungo. Algumas máquinas e equipamentos foram adaptados e hoje eles têm uma produtividade que é 80 % superior a média nacional. Não são os mais produtivos, mas estão 80% acima da média nacional, quebrando o paradigma de que agricultura orgânica produz menos que a convencional. Eles são efetivamente gigantes na produção.

6 – De que maneira a tecnologia pode ajudar na produção orgânica?

Quando você leva a tecnologia para a produção orgânica você aumenta basicamente a produtividade do trabalho ou da terra, produzindo mais em menos área ou em menos tempo. Os produtores orgânicos para serem competitivos no mercado não tem outra alternativa além de desenvolver tecnologias próprias. São profundos conhecedores do solo, tipo de água, culturas que produzem. Eles passam a ser pessoas extremamente preparadas para produzir. Eles encontram maneiras para trabalhar o solo e a água de maneira que se tornem mais produtivos. Em uma propriedade com muitos trabalhadores, a pesquisa mostrou que a organização do trabalho é importante. Por exemplo: as atividades que exigem muito esforço físico são colocadas nas primeiras horas do dia ou no final da tarde porque é o horário mais fresco. No horário de sol mais forte, eles fazem a pós-colheita: limpeza, embalagem e processos que são em ambiente protegido. É necessário organizar o trabalho para que ele seja mais produtivo. O grande problema mesmo é que eles não tem equipamentos e máquinas porque tudo é concebido e produzido para a agricultura convencional. Eles precisariam de capinadoras e de pulverizadores diferentes dos usados na agricultura convencional. Precisariam de uma série de máquinas e equipamentos projetados para suas necessidades. É por isso que a agricultura orgânica envolve mais gente, mais trabalho humano. Isto encarece os produtos e limita a produtividade. Também é importante que os institutos de pesquisa desenvolvam pesquisas agronômicas envolvendo a produção orgânica. A agricultura orgânica cresce de 20% a 25% ao ano, e é necessário dar mais atenção a isso. Muita gente já está comprando produtos orgânicos e chega a faltar no mercado. O produto orgânico acaba sendo mais caro porque não existe tecnologia para os produtores.

7 – O custo dos alimentos orgânicos ainda é maior?

A produção orgânica precisa de mais mão de obra do que a convencional, isso acaba aumentando o custo de produção, o que encarece o produto final. Se tivesse tecnologia disponível não seria assim, o produto se tornaria mais competitivo. Os agricultores orgânicos sofrem com taxação maior que os convencionais e isso tem que mudar. Deveria haver isenção de impostos para a produção orgânica. Até porque como só orgânicos fazem uma certa reserva na sua propriedade eles não a utilizam por completo para produzir porque fazem proteção de mananciais e matas, por exemplo. Eles têm papel social e não recebem nada por isso. A longo prazo o país poderia gastar muito menos com a questão do câncer por exemplo. 

8 – O que é necessário para que esse sistema se firme ainda mais no Brasil?

Mudança na legislação e estímulo maior para a produção de orgânicos. Esse estímulo deveria haver devido à maneira que eles estão ligados intrinsecamente com o meio ambiente. Deveria haver uma “premiação” aos produtores devido a maneira que eles produzem. A isenção de impostos é essencial porque diminuiria os custos e atrairia novos agricultores e os convencionais. Finalmente, mais pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias específicas para esses produtores.

Texto de Bruna Defelippe