Cidade maravilha mutante

Está difícil conter o otimismo com o Rio. A cidade respira confiança. A ambiência de negócios melhora paulatinamente, enquanto as perspectivas são ainda melhores, diante de uma agenda singular de eventos. E, enfatize-se, as razões para celebrar este momento certamente ...

 

Por Christian Travassos, economista e mestre em Ciências Sociais (CPDA/UFRRJ)

 

Está difícil conter o otimismo com o Rio. A cidade respira confiança. A ambiência de negócios melhora paulatinamente, enquanto as perspectivas são ainda melhores, diante de uma agenda singular de eventos. E, enfatize-se, as razões para celebrar este momento certamente vão muito além do que nos proporcionam belezas naturais, história e monumentos.

O mercado interno, que sempre se destacou pelo setor de serviços, sobretudo de educação, saúde, lazer e governamentais, pela concentração de uma verdadeira indústria de entretenimento e criatividade, ganha hoje evidência e força ainda maiores. A cidade atrai cada vez mais turistas, mas também profissionais vindos dos quatro cantos do mundo. As oscilações da economia fluminense frente às intempéries econômico-financeiras globais de 2008 para cá, relativamente brandas, evidenciaram tal consolidação, com crescimento homogêneo e calcado em investimentos em curso e no mercado consumidor doméstico.

Além disso, ao lado dos grandes eventos e do fortalecimento do mercado consumidor, podemos mencionar alguns avanços recentes na composição de um quadro particularmente benigno para o Rio nos próximos anos. Entre tais pilares, certamente encontram-se: uma maior sinergia entre as três esferas de governo, que facilitou, por exemplo, a destinação e aplicação de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC no estado; o fato de termos sido o primeiro estado brasileiro a conquistar o selo “grau de investimento”, concedido por agências internacionais de classificação de risco, em 2010; as descobertas e externalidades positivas relativas à exploração do petróleo na camada pré-sal; o processo de pacificação de comunidades populares, com melhorias em termos de qualidade de vida, acesso à Justiça, ambiente de negócios e segurança pública; e a revitalização de bairros como a Lapa, com sinergias empresariais incentivadas pela organização de polos comerciais.

Não por acaso, a cidade entrou definitivamente no circuito internacional de shows, com a presença cada vez mais frequente de artistas líderes em popularidade e vendas entre os mais variados públicos. 

Em termos de dinamismo econômico, a cidade se destaca em ranking elaborado pela London School of Economics. O estudo Global Metro Monitor estima o desempenho econômico de 150 regiões metropolitanas pelo mundo, com base em indicadores de emprego e renda. A edição de 2010 do indicador, a mais recente, aponta o Rio de Janeiro como a cidade brasileira mais bem colocada, em 10º lugar. Em seguida, figuram Belo Horizonte (22º), São Paulo (25º) e Brasília (32º). No topo da lista, Istambul. Para se ter uma ideia, no período pré-crise (2007), o Rio ocupava apenas a 100ª colocação. 

Nesta e em outras pesquisas internacionais recentes, o Rio de Janeiro é visto para muito além do badalado calçadão de Copacabana. De acordo com o onipresente guia internacional Lonely Planet, a cidade é a líder entre os destinos indicados aos viajantes na edição Best in Travel 2013 na categoria "best value" – melhor benefício x custo.

A publicação recomenda aproveitar a oportunidade de conhecer a cidade antes dos mega eventos esportivos internacionais previstos, em especial Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016, dada a majoração em vista dos preços. Nas palavras do Lonely Planet, "venha agora e veja uma cidade em processo de aperfeiçoamento para receber o mundo, mas antes que os custos aumentem". Se desejasse detalhar melhor essa agenda ao leitor, o guia poderia citar ainda, apenas em relação ao ano de 2013, os Jogos Mundiais dos Trabalhadores, a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude e o Rock in Rio.

A intensificação do turismo já começou. Uma pesquisa da consultoria Euromonitor International, divulgada em 2010, indicou o Rio como o principal destino turístico do Hemisfério Sul. Ainda que no ranking global – com Norte e Sul considerados – tenha ficado em 40° lugar, a cidade figurou à frente de Berlim, Tóquio e Atenas, entre outros tantos notórios cartões postais mundiais.

Não para por aí. O Rio está em mais um sem número de listas e rankings recentes. A revista de design inglesa Wallpaper elegeu-o a “Melhor Cidade”, de acordo com o prêmio Design Awards 2011. Pesou na decisão a preparação para a agenda de eventos: os avanços conquistados pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o incremento da infraestrutura, a revitalização de espaços e equipamentos urbanos e projetos como o do Porto Maravilha – com destaque na seara cultural para o Museu do Amanhã.

Já segundo a revista Forbes, o Rio é a “Cidade mais feliz” (2009), com seu carnaval e “imagens de jovens dançando pela noite, tendo ao fundo as montanhas e o mar”. Para a Forbes, "desde que Fred Astaire e Ginger Rogers apareceram no filme Voando para o Rio, em 1933, o mundo ficou fascinado com o Rio de Janeiro”. 

Para a rede de TV CNN, por sua vez, o povo brasileiro encabeça o ranking em uma categoria inusitada: “Mais legal”. No entanto, entre as referências citadas como base na votação, não há como não se remeter ao Rio: praia, Copacabana, Carnaval, samba, favela, Seu Jorge – eterno “Farofa Carioca” – e Ronaldo Fenômeno – cria do bairro de Bento Ribeiro -, sem falar em “minuscule swimwear and toned bodies” – embora tais atributos não resumam mais a visão do turista estrangeiro sobre a cidade. 

Nessa linha, em estudo divulgado em 2009 pelas Universidades de Michigan e da Califórnia – EUA, o Rio aparece como a cidade com o “Povo mais cordial” entre 50 pesquisadas no mundo.

Como se não bastasse, em 2011, o Rio serviu de palco para uma animação da FOX que exibiu em salas de cinema de todo o mundo esse conjunto ímpar de predicados. Baseada na história de uma ararinha azul de verdade, o filme do cineasta brasileiro Carlos Saldanha chamou atenção de crianças e adultos para a importância da preservação ambiental, mas também para uma cidade sem igual. Por sua vez, na televisão, a Av. Brasil carioca conquistava o horário nobre da líder de audiência TV Globo em novela de mesmo nome, com um cotidiano que arrebatou níveis recordes de audiência, seguido pelo dia a dia no recém pacificado Complexo do Alemão, retratado por sua sucessora, e de um novo seriado, com foco na juventude dos subúrbios do Rio. Isso para nos restringirmos apenas à programação mais recente, porque para os brasileiros não se trata de novidade ver e entender o país por meio de estórias desenroladas na cidade. Nem para os estrangeiros.

E se, em 2007, o carioca já havia se enchido de orgulho com a eleição do Cristo Redentor como uma das “Novas Sete Maravilhas do Mundo”, de acordo com a New7Wonders Foundation, o ano de 2012 renovaria sua autoestima. Como um coroamento entre tantas conquistas, em julho último, a cidade tornou-se a primeira do mundo a receber da Unesco o título de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural Urbana. A titulação, inovadora sob o ponto de vista da candidatura da cidade por inteiro, expõe ainda mais as belezas naturais cariocas, harmonicamente conjugadas às intervenções humanas.

O momento parece realmente único. Talvez nunca a definição de Carlos Laufer,  Fausto Fawcett e Fernanda Abreu tenha soado tão apropriada: “cidade maravilha mutante”.

Agora, se dispomos de uma economia em ascensão, de uma série de mega eventos na agenda, de belezas naturais tanto no litoral quanto no interior do estado, com praias, Mata Atlântica e um povo hospitaleiro como protagonistas, isso não significa obviamente que tenhamos equacionado um elenco de desafios estruturais ao desenvolvimento carioca e fluminense. Enfrentamos, sim e ainda, problemas em termos de capacitação de mão de obra, mobilidade urbana, nas condições de rodovias e aeroportos, preparação adequada a desastres naturais – leia-se enxurradas cada vez mais frequentes e danosas -, na prestação de serviços por concessionárias públicas – em casos como energia elétrica, água, esgoto, estacionamento e telefonia celular – e no campo tributário. Ademais, recentemente, o crescimento do número de usuários de crack ganhou contornos epidemiológicos sobretudo entre jovens em situação de risco e população de rua.

O bonde do desenvolvimento carioca está de partida da estação. Da mesma forma em que se encontram em reforma os trens que circulavam em Santa Teresa e deixaram de fazê-lo após grave acidente em agosto de 2011. Ainda que pareça óbvio, não custa lembrar que os diferenciais da economia do Rio de Janeiro estão exatamente representados naqueles bondes. Em sua elegância, em sua estética, em seu charme, em sua poesia, enfim, em sua identidade tão carioca, que a tantos encanta e a tantos ainda certamente encantará.

Aprimorar as condições para empresas se instalarem na cidade e em seu entorno, contribuir para facilitar o deslocamento de trabalhadores e consumidores, aprimorar a drenagem pluvial, combater o desmatamento, avançar na concessão planejada de aeroportos e autopistas, entre outras ações, permitirão o atendimento a contento de uma demanda ascendente e cada vez mais exigente – suscitada tanto pela realização de grandes eventos internacionais quanto pelo crescimento e amadurecimento do mercado consumidor regional.

Hora de aproveitar o capital político angariado pela atual gestão governamental para o avanço em reformas capazes de oxigenar o ambiente produtivo carioca e fluminense. Momento de reduzir a burocracia governamental para as empresas, de tornar o transporte coletivo mais eficiente e de aprimorar a fiscalização em prol da adequada prestação de serviços públicos e da lisura na aplicação do erário.