Funk movimenta 127 milhões, mas ainda é visto como caso de polícia

Apesar de ser uma manifestação cultural legítima, gerar renda e empregos no estado, funk ainda é tratado como caso de polícia. Para combater o problema, a Alerj aprovou dois projetos de lei: um deles define o funk como movimento cultural, o outro revoga uma lei que impossibilitava a realização de bailes. A notícia foi recebida com festa pelos funkeiros.

Tá tudo dominado. O famoso verso da Furacão 2000 talvez não previsse se tornar tão emblemático da importância do ritmo: o funk movimenta cerca de R$ 127 milhões por ano no estado. O número inclui os lucros com a bilheteria dos bailes, cachês, venda de CDs e DVDs, o dinheiro recebido por MCs e DJs e até mesmo o lucro dos camelôs, de acordo com uma pesquisa da FGV. Apesar do potencial econômico, o funk ainda enfrenta o preconceito e o desafio de ser reconhecido como uma manifestação cultural. "Infelizmente o que assistimos é o funk sendo tratado como caso de polícia", afirmou o antropólogo Hermano Vianna, que participou de audiência pública promovida pelas Comissões de Direitos Humanos e Cultura no plenário da Alerj na terça-feira (25/08), que reuniu funkeiros e parlamentares para discutir questões como o preconceito e a criminalização da música e destacar a importância cultural e econômica do ritmo.

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"Fala-se muito em tirar o funk da secretaria de segurança e trazê-lo para a secretaria de cultura, mas é bom lembrar que o funk é uma manifestação cultural e que ele não precisa de qualquer secretaria para se afirmar como tal", defende a secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes. O antropólogo Hermano Vianna, que pesquisou o assunto nos anos 1990, identifica na relação do poder público com o funk o preconceito. "É como se o funk fosse o bode expiatório e o motivo dos problemas da cidade", explica. Para ele, o fato de a divisão entre morro e asfalto ter se consolidado ao longo dos anos, torna mais difícil o combate à discriminação. "Uma solução seria o poder público se apropriar desta manifestação cultural criando espaços oficiais para que os bailes ocorram, os funkódromos", defende o antropólogo, que viu ao longo dos anos os grandes clubes em que aconteciam os bailes fecharem, o que obrigou o ritmo a subir o morro.

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A pesquisadora UFF Adriana Facino, que esteve na audiência, acredita que o fato de o funk ter se tornado um caso de polícia e alvo de preconceito nasceu do mito de que o ritmo está ligado ao crescimento da violência. "Um dos argumentos é que os bailes fazem a violência ao seu redor aumentar. Se olharmos bem, qualquer evento que reúna multidões, sobretudo jovens, pode receber essa acusação. Quando há jogo no Maracanã, a violência na região também cresce", argumenta Facino.

Na contramão do preconceito, o mercado percebeu que o funk pode gerar renda e empregos, contribuindo para o desenvolvimento do estado. De acordo com o levantamento da FGV, os cerca de 900 bailes funks promovidos em todo o estado contam com uma multidão de pagantes: 1,23 milhões de pessoas deixam mais de R$ 7 milhões nas bilheterias. Os 116 MCs entrevistados pelos pesquisadores faturam em média cerca de R$ 5 mil mensais. Estes números reforçam a importância da chamada indústria criativa do estado e do país. Segundo um estudo realizado pela Firjan, a cadeia dessa indústria emprega 21,8% dos trabalhadores do país. No Rio, em especial, a indústria criativa responde por quase um quarto dos empregos formais (23,1%). "Além de ser um elemento de inclusão social, o funk emprega muita gente: não só os MCs, mas também aquele senhor que vende um refrigerante, aquela senhora que vai fazer um cachorro-quente na porta dos bailes", afirma o funkeiro Mc Serginho.

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Leonardo de Freitas, o MC Leozinho, autor do sucesso "Ela só pensa em beijar", é um caso emblemático disso. Descoberto pelo DJ Marlboro, Leozinho passou de funcionário de uma padaria no Jardim Botânico a artista assediado pela mídia, fazendo shows em todo o país e chegando a se apresentar em uma festa da grife Daslu, símbolo da alta-sociedade paulistana. "Quase ninguém me levava a sério no começo. Eu pedia pra cantar e fazia shows de graça", lembra o MC.

Lei aprovada em 2008 não proíbe, mas impossibilita realização de bailes

Ontem (01/09), foi dado o primeiro passo para mudar esse cenário. A Alerj aprovou por unanimidade dois projetos de lei: um que define o funk como movimento cultural e outro que revoga a Lei 5.625/2008, que fazia exigência para a realização de bailes que impossibilitavam sua realização. Os projetos são assinados pelo deputado Marcelo Freixo (PSol), o primeiro em parceria com o deputado Wagner Montes (PDT) e o segundo com o deputado Paulo Melo (PMDB).

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Para Freixo, a partir de agora o funk vai servir de instrumento de integração entre as classes no estado. "Esta Casa hoje fez um grande serviço não ao funk, mas ao Rio de Janeiro. Porque o funk é e será cada vez mais um instrumento fundamental para o estado. A partir de hoje, o poder público tem um excelente instrumento para dialogar com a sociedade, com setores que promovem alegria, que são absolutamente criativos e têm uma identidade real com a juventude do Rio de Janeiro", discursou Freixo, destacando que os projetos de lei são fruto do trabalho de pessoas ligadas ao ritmo.

O presidente da Apafunk, Mc Leonardo, falou mais uma vez da importância de combater o preconceito e os estereótipos da mídia. "A mídia não é a TV, a mídia não é o jornal! A mídia é o meio da rua!", repetia Leonardo. Depois da votação, uma festa foi montada na escadaria do Palácio Tiradentes pelos representantes e apoiadores do movimento, que seguiram em passeata - escoltada pela polícia militar - até o Circo Voador para continuar a comemoração.

O presidente da Alerj e do Fórum de Desenvolvimento do Rio, deputado Jorge Picciani (PMDB), concorda que era um erro cercear o ritmo. "É papel do Estado garantir a liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que combate o tráfico, as milícias e garante a segurança da juventude", afirma Picciani. O deputado defende que, assim como o samba e o carnaval, que já têm suas festas incluídas no calendário da cidade, o funk também merece ter seu espaço.