Mário Aurélio Pinto: O agronegócio no estado do Rio de Janeiro

Neste artigo, Mário Aurélio da Cunha Pinto, presidente do Conselho de Agronegócio da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), fala do potencial econômico do agronegócio no estado do Rio, aponta entraves para o setor e propõe soluções. Para ele, como o Rio não tem vocação para o agronegócio, o estado pode se destacar, em vez da quantidade, pela qualidade dos produtos.

Mário Aurélio da Cunha Pinto*

Nosso Estado, assim como o Brasil, também já teve seus ciclos de desenvolvimento no campo. Ciclos configuram-se em épocas bem marcadas, que não deixam muita coisa consolidada. O café, que já representou uma época de riqueza no Vale do Paraíba, com a extinção da escravatura deixou um rastro de belas sedes de fazenda em estilo colonial e pouco mais. O açúcar na região norte também teve uma fase próspera, principalmente no início do século 20. Hoje, a despeito do surto de desenvolvimento dessa cultura nos estados de São Paulo e Minas Gerais, assistimos a um pequeno número de empresas simplesmente sobrevivendo, mas sobrecarregadas de dívidas.

Para falarmos de potencialidade e gargalos para o desenvolvimento do agronegócio no estado do Rio de Janeiro, devemos começar pelas suas características. É evidente que - diferentemente do Paraná, do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, dentre outros - nosso estado não tem como sua primeira vocação o agronegócio, mas não deixamos de ter também as nossas aptidões. A extensa faixa de litoral e o relevo metade plano e metade acidentado nos conferem boas variedades de solos e climas que abrem um largo espectro de alternativas.

O Rio de Janeiro é um estado marcadamente cosmopolita, pois ainda convive com a herança de ter sido berço da Corte e posteriormente capital da República. Penso que talvez esta cultura urbana cause uma miopia endêmica nos habitantes do estado, que em sua grande maioria não vivem no campo e, aqueles que são potenciais investidores não põem as oportunidades do agronegócio no seu leque de opções de investimento. As pessoas de nosso estado pensam o campo como lazer e não como oportunidade de negócio.

Antes de falarmos em potencialidades e oportunidades, temos que observar que as áreas do Estado são muito "antigas" no uso e propriedade, o que acarreta divisões e subdivisões, fazendo com que o Estado seja formado hoje por áreas de pequena extensão. Ou seja: praticamente não existem mais no Estado grandes propriedades, principalmente nas regiões serranas. Mais de 90% das propriedades rurais fluminenses apresentam menos de 100 hectares de área.

É importante também verificarmos o impacto que causa a proximidade da enorme megalópole que é o Grande Rio de Janeiro, a segunda do país, com 11,5 milhões de habitantes e potenciais consumidores. Esta proximidade, ao mesmo tempo em que inflaciona o valor da terra, estabelece facilidades e vantagens.

Quando comparamos o agronegócio em nosso Estado com o resto do Brasil, os números são quase ridículos. Respondemos por menos de 1% do PIB brasileiro. Mas se é verdade que produzimos ainda muito pouco e temos muito que evoluir, parece que fica claro, se observarmos os pontos anteriormente citados, que a nossa vocação deve passar muito mais pela excelência do produto do que pelo volume produzido. Tudo o que vier a ser produzido em nosso Estado tem que ter a qualidade e a especialização como meio. Melhor exemplificando, não podemos competir com a produção de soja ou a criação de gado no Mato Grosso, ou ainda com o café, como é cultivado em Minas Gerais ou na Bahia. Entretanto, podemos através da especialização, da pesquisa e da dedicação produzir com qualidade carnes nobres, cafés finos, produtos de olericultura orgânica, que possam obter melhores preços e justificar a pequena propriedade próxima ao grande centro consumidor.

Dentre as possibilidades do agronegócio no Estado, algumas são óbvias e antigas. A cana-de-açúcar na região Norte pode voltar a ter a pujança de outras épocas, mas necessita de um conjunto de medidas impactantes: tratamento adequado por parte do governo ao estoque de dívidas elevadíssimo do setor, hoje impagáveis e que impedem investimentos modernizadores ou a entrada de novos investidores; choque de gestão que traga novos ares ao setor, que vem sendo administrado da mesma forma há cem anos por gerações que se sucedem; aplicação de tecnologias atuais disponíveis em termos de genética e manejo. Não é fácil resolver tudo isto, mas o novo potencial que o etanol adiciona ao negócio justifica um esforço. Com as condições naturais adequadas que já possuímos e agora com a presença de um porto na região, seremos mais uma vez competitivos.

A pecuária extensiva tem sido e continuará sendo uma boa opção para quem ainda possui áreas de razoáveis dimensões. Também neste setor, alguns gargalos expõem o produtor à incerteza e à constante diminuição do resultado potencial. A não disponibilidade de um sistema de abate qualificado e que de quebra agregue valor é inaceitável. O interessante para o produtor seria "comercializar" a carne e não o boi. Os grandes frigoríficos instalados em São Paulo e Mato Grosso trabalham com aproveitamento total do animal. Esta carência no nosso Estado obriga o produtor a comercializar em outro Estado ou em matadouros clandestinos e de uma forma ou de outra sair perdendo. Seria desejável também mais investimento na melhoria de um sistema de defesa sanitária animal. Isto se traduziria em segurança para o produtor e qualidade garantida para a venda.

Ainda dentro da pecuária, alguns produtores, dentro daquele conceito de qualidade no lugar de extensionismo, vêm se notabilizando no aprimoramento de genética animal (zebu), obtendo melhor rentabilidade. Somos exportadores de genética de qualidade.

Outra potencialidade que já exploramos e na qual ainda podemos avançar mais é a olericultura na região serrana, e ainda, como ramo especializado, a olericultura orgânica, setor em que já disputamos mercados com o estado de São Paulo. Também na região serrana, a floricultura vem crescendo consistentemente.

A fruticultura tropical nas regiões norte e noroeste começa a ser alternativa importante à cana, principalmente para os pequenos produtores. O maracujá, a manga, o abacaxi e a goiaba já têm se mostrado produtivos, sendo necessário investir no controle de doenças.

A criação de pequenos animais também se mostra interessante. A caprinocultura é uma boa opção para a região serrana, podendo ser explorada em toda a cadeia, da criação a indústria. A ovinocultura tem alguns poucos, é verdade, exemplos bem sucedidos na região Norte. No aproveitamento de regiões marinhas protegidas, exemplo da Bahia de Ilha Grande e de Arraial do Cabo, a criação de coquilles é uma opção de cultura marinha bastante rentável. Já existem vários casos de famílias que produzem com boa rentabilidade com o apoio do Instituto IED-BIG, que fornece sementes e apoio técnico.

Dentro das nossas limitações ou gargalos, podemos citar, resumindo:

— Falta de visão por parte da sociedade do potencial que o setor do agronegócio pode atingir como opção de investimento e melhoria de vida dos cidadãos do Rio de Janeiro.

— Via de regra, falta enfoque por parte dos governos do estado nas necessidades do campo. Acredito que a causa principal esteja na grande desproporção entre o número de eleitores urbanos e de eleitores rurais. Há o fator cultural e a tradição também.

— O perfil do nosso produtor rural precisa ser melhorado com apoios técnicos (Emater, Sebrae, etc).

— Há uma necessidade de pesquisas específicas que se voltem diretamente para os interesses do nosso Estado. Explicando: nós temos no Rio de Janeiro três unidades da EMBRAPA que atendem a interesses do país como um todo: uma voltada para solos, outra voltada para agrobiologia e a terceira, que lida com questões ligadas à agroindústria de alimentos; todas as três de grande importância, mas nenhuma voltada especificamente para um interesse local. A outra opção de pesquisa que temos é a PESAGRO, órgão do Estado voltado para o assunto, que vem fazendo grande esforço para se modernizar.

Enfim, as dificuldades que o agronegócio no Estado do Rio de Janeiro tem pela frente não são poucas, mas, uma vez detectadas, podem ser vencidas através de um trabalho conjunto de entidades conceituadas, como FIRJAN, ACRJ, SEBRAE, CRMV, FAERJ, SNA e outras, caso elas se mobilizem para motivar a opinião pública.

Entretanto, com ou sem entraves, se buscarmos a obtenção de volumes, nunca conseguiremos. Se quisermos qualidade amparados em pesquisa e aprimoramento técnico do produtor, o mercado nos apoiará.

*Mário Aurélio da Cunha Pinto é presidente do Conselho de Agronegócio da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ)