OsteRio: Recolocando o transporte nos trilhos

Evento promove encontro inédito entre os presidentes do Metrô e da Supervia e os secretários de Transporte do Município e do estado do Rio. Em pauta, soluções urbanísticas para o deslocamento na cidade

Rosa Lima 

O debate saiu dos trilhos. O que era para ser um encontro para discutir os rumos do transporte ferroviário na cidade – Trilhas dos trilhos – na quarta rodada de debates do OsteRio, na segunda-feira, 18, acabou extrapolando e colocando em pauta também os carros, os ônibus, as barcas e todo o sistema de transportes no Rio de Janeiro.  

É que além dos convidados previstos - Julio Lopes (Secretário de Transportes do Estado), Amin Alves Murad (Presidente da Supervia) e José Gustavo Souza Costa (Presidente do Metrô Rio), a mesa contou ainda com a inesperada presença de Alexandre Sansão (Secretário de Transportes do Município), cuja função é cuidar do trânsito e do transporte rodoviário urbano.  

Quem saiu ganhando foi o público e os próprios cariocas, com o encontro inédito – entre empresas e governos –, a sugerir promessas de parcerias que tragam integração e racionalidade ao sistema e ponham o transporte carioca de vez nos trilhos. 

Mais trens, menos trânsito 

O primeiro a se apresentar foi o presidente da Supervia. Amin Murad abriu a noite falando do processo de degradação e recuperação do sistema de trens urbanos, que chegou a computar um milhão de passageiros por dia, em 1984, caiu para 350 mil com a sua estadualização em 1994, e chegou ao fundo do poço quatro anos depois, com 145 mil passageiros/dia e o governo estadual injetando 150 milhões de dólares por ano para recuperar as contas da empresa. Foi o estopim para a privatização do sistema no final do governo Marcello Alencar, em 1998.  

De lá para cá, a concessionária Supervia vem registrando um crescimento médio anual de 13, 1 %, e hoje o sistema já opera com 500 mil passageiros por dia e 22% da frota de trens novos e com ar condicionado. “Com o equacionamento das dívidas e a retomada da capacidade de investimentos, o projeto é dobrar a quantidade de passageiros até 2015 e chegar a 1,5 milhão em 2023, aliviando substancialmente o trânsito na Av. Brasil e na Linha Vermelha”, disse Murad, acrescentando: 

“Já compramos 30 novos trens com ar refrigerado, estamos em fase final de entendimentos com o governo do Estado e em breve vamos anunciar medidas que vão melhorar muito a vida da população”. 

Notícias de melhorias e modernização foi também o que trouxe José Gustavo Costa, presidente do Metrô Rio. Antes da privatização, no mesmo ano de 98, o metrô, segundo ele, vivia um processo de canibalização, com 60% dos trens inoperantes, transportava 320 mil passageiros/dia e sugava 100 milhões de dólares por ano em subsídios do governo.  

Dez anos depois, 100% da frota estão em operação, transportando 550 mil passageiros a cada dia, e a integração com trens e ônibus já é uma realidade em diversos trechos. “Nos próximos dois anos, vamos investir R$ 1,2 bilhão e atingiremos o padrão do Primeiro Mundo. Estamos comprando novos trens da China, que chegam dentro de 20 meses, vamos fazer a conexão direta Pavuna-Botafogo, que dará aos passageiros da Linha 2 uma economia de 13 minutos, chegaremos a 1,4 milhão de passageiros/dia, e os trens circularão com intervalos de dois minutos entre eles”, prometeu José Gustavo.  

Melhoria silenciosa 

Para o secretário estadual de Transportes, Julio Lopes, a vida no Rio está melhorando silenciosamente. “Em dois anos e meio, compramos mais trens do que em toda a história da ferrovia no Brasil”. Segundo ele, nesse período o sistema ferroviário cresceu 25 %; o de barcas, 35%; o metrô, 13%; e o rodoviário, de ligação com a Baixada Fluminense, 20%, com o combate à pirataria.  

“Como havia uma enorme demanda reprimida, a sensação é de piora, mas em mais dois anos os resultados desse enorme trabalho para modernizar o sistema vão começar a aparecer”, garantiu o secretário.  

Técnico de carreira da CET-Rio, o engenheiro Alexandre Sansão foi convidado a assumir a pasta municipal dos Transportes pelo prefeito Eduardo Paes, com o intuito de dar racionalidade a um sistema que nunca foi planejado, cresceu na lógica caótica do mercado até chegar ao emaranhado nebuloso do transporte rodoviário que temos hoje na cidade.  

Foi justamente da necessidade de dar uma ordem racional ao sistema que ele falou para a plateia da Osteria Dell´Angolo. “O sistema rodoviário transporta 2,5 milhões de passageiros por dia no Rio de Janeiro e reflete a realidade de um país que não se desenvolveu. É um sistema irracional, caro e poluente”, disse Sansão, acrescentando: “mudar esse quadro requer tempo, investimento e inteligência”. 

O primeiro passo, segundo o secretário que assumiu há pouco mais de quatro meses, é levantar informações para licitar um novo sistema. “Sabemos que há 47 empresas de ônibus, oito mil veículos e 400 linhas, além de 12 mil vans nas ruas, que se não forem regulamentadas seguirão o mesmo movimento de irracionalidade dos ônibus. Mas a verdade é que a gestão pública desconhece o sistema. O grande desafio hoje é reverter esse quadro de forma a poder enxugar linhas e veículos, dando mais fluidez ao trânsito,  promover a integração de modais e tarifas e viabilizar o bilhete único”.  

No acalorado debate que se seguiu às apresentações, a vereadora Andrea Gouvêa Vieira questionou o tipo de subsídio adotado pelo sistema de transporte do Rio, que dá gratuidade a escolares, idosos e deficientes, mas os pune deixando-os a pé por horas a fio, aguardando quem se digne a transportá-los. “É uma gratuidade que sai cara”, argumentou. O ex-presidente da ANP David Zylbersztajn chamou atenção para o fato de o governo subsidiar a compra de carros particulares e combustíveis e não dar o subsídio adequado ao transporte público. Com ele concordou o jornalista Rocco Cotroneo, correspondente do Corriere della Sera, que chegou a sugeriu a estatização do sistema de transporte. “Trata-se de um serviço público. Não importa que seja deficitário”, disse. Por sua vez, o ex-diretor do Plano Estratégico de Buenos Aires, Andrés Borthagaray, quis saber se no sistema de transportes carioca existia a mesma integração entre os poderes verificada na mesa de debates.  

Por fim, o público apontou a necessidade urgente de se adotar uma tarifa mais condizente com a renda da maioria da população, de enquadrar vans e ônibus num choque de ordem que desafogue o trânsito e de organizar o sistema como um todo para que ele seja mais eficiente em custo e operação. Para isso, as palavras-chave que emergiram do encontro foram gestão e integração. Palavras que o próprio encontro – dos diversos níveis e esferas do poder – se encarregou de traduzir em gesto, mais do que intenção.  


* O OsteRio é um encontro que acontece na Osteria dell'Angolo todas as segundas-feiras, às 20h, recebendo intelectuais, artistas, profissionais liberais, acadêmicos, políticos e o público em geral para discutir o futuro da cidade do Rio de Janeiro. O restaurante prepara cardápios especiais para cada um dos eventos. Para participar, basta se inscrever pelo email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..