OsteRio: as fronteiras entre informalidade e ilegalidade

As mazelas trazidas pela informalidade – e os caminhos possíveis para enfrentá-la – foram o tema da terceira noite de debates sobre o futuro do Rio na Osteria Dell´Angolo

Rosa Lima 

São tênues as fronteiras que separam a informalidade da ilegalidade. Apesar de não serem sinônimos, uma contamina a outra. Quanto mais informal o ambiente, mais ilegal ele tende a ser. Depois de décadas de complacência da sociedade, a informalidade que – chegou-se a acreditar – era tida como solução, hoje é cada vez mais apontada como um entrave ao nosso desenvolvimento.  

No terceiro encontro do OsteRio, na noite de segunda-feira, 11 de maio, a informalidade em suas várias dimensões – no ambiente de negócios, no mercado de trabalho, na propriedade fundiária e na vida cotidiana – foi o tema central do debate que mobilizou economistas, advogados, secretários e funcionários das diversas esferas de governo, empresários, professores, estudantes, pesquisadores e profissionais dos mais diversos setores e ramos de atividade na Osteria Dell´Angolo, em Ipanema.  

De resposta criativa do cidadão à burocracia do Estado e aos abusos do poder, público e privado, os diversos gatos, gatilhos e jeitinhos se generalizaram a tal ponto que tratamos como naturais situações que beiram – quando não ultrapassam – o limite da ilegalidade. “A informalidade permeia tanto a nossa vida que nem sabemos mais do que se trata. Em primeiro lugar, precisamos definir claramente o que significa ser informal”, disse Paulo Ferraz, executivo do Grupo Bozano, um dos três palestrantes da noite.  

E foi o que fez Joana Monteiro, doutoranda em economia na PUC-Rio, na apresentação que abriu a sessão. Segundo Joana, informal são as atividades que operam fora da legislação, em várias dimensões. Desde as que não são registradas, não pagam impostos ou não cumprem tudo o que manda a lei, à informalidade de moradia e os trabalhadores informais – sem carteira e autônomos, os chamados conta-própria.  

“Informal é diferente de ilegal, que é a pirataria, o contrabando, a adulteração de produtos. Mas uma coisa alimenta a outra”, afirmou. Trata-se de um universo um tanto nebuloso: por sua própria natureza, lembrou a economista, o informal sonega informação. Mas, citando diferentes fontes, Joana estimou que 39% dos trabalhadores do Rio não pagam INSS, 76% dos negócios em operação no país são informais e que as firmas brasileiras não declaram em média 32% de sua receita. Quem perde com o isso é a própria população, com a piora dos bens e serviços públicos.  

Regulação excessiva, carga tributária pesadíssima, ambiente legal fraco e baixa fiscalização são os ingredientes que formam o caldo de cultura da informalidade. Mas o que ganha um pequeno empreendedor ao se formalizar? “Em tese, ele tem mais acesso a crédito e a justiça, pode crescer, diminui seu risco de multa e suborno e pode vender para todo tipo de cliente”, explicou Joana.  

Mas quando ele bota na balança, o equilíbrio em termos de custos fica muito desigual. “O caminho para se abrir um negócio é árduo: são três meses, dez órgãos e cerca de dois mil reais. Depois são mais de dez tipos de impostos a pagar, sem contar o salário mínimo mensal do contador. É quase impossível”. 

No rol do que se pode fazer para mudar esse quadro, Joana Monteiro citou incentivos e demandas como fundamentais. “A nota fiscal paulista, que dá desconto nos impostos aos contribuintes, é um tipo de programa que funciona”. É preciso também pensar em simplificação, em mecanismos como centrais fáceis, cadastro único e alvará automático, em reduzir a carga tributária para os pequenos e em trabalhar o ambiente da legalidade. “Há que se ampliar o choque de ordem. A sociedade precisa assumir sua responsabilidade e cobrar para que a gente não fique só enxugando gelo”. 

Ambiente de negócios desfavorável 

Depois de Joana, foi a vez de Cezar Vasquez, diretor do Sebrae-RJ, apresentar um quadro da informalidade no Rio, no segmento dos micro e pequenos negócios. Na comparação com o resto do Brasil, segundo ele, o Rio tem mais microempreendimentos, mais microempreendimentos na informalidade e mais microempreendimentos em dificuldades. 

Essa ineficiência, explicou Cezar, não pode ser creditada à juventude ou à baixa escolaridade dos nossos empreendedores, que, ao contrário, são mais escolarizados e têm mais idade do que seus pares no resto do país. O problema central estaria no próprio ambiente de negócios pouco favorável.  

“O que chama atenção é que essa característica informal dos nossos microempreendedores contamina o ambiente de negócios e precisa ser enfrentada seriamente como uma questão política”, avaliou Cezar Vasquez. 

Ampliando a discussão para o problema das favelas, símbolo maior da informalidade que grassa na cidade, Paulo Ferraz lembrou que levar a formalização do asfalto para o morro passa por combater o tráfico e a milícia, elevar o nível educacional, mudar a legislação para garantir a titularidade dos imóveis para além do simples direito de uso e legalizar atividades, zerando os custos do processo.  

“Se não dá para deixar claro o benefício óbvio de se viver na legalidade, pelo simples fato de que isso é o certo, no mínimo devemos ser capazes de zerar os custos da formalização”, defendeu o executivo, para quem a sociedade tem papel fundamental na tarefa de dar um basta à informalidade e à ilegalidade.  

No debate que se seguiu às apresentações, exemplos diversos da complacência com o informal na vida pública e privada vieram à tona levando à discussão sobre as causas do problema. “A informalidade tem a ver com a falta de acesso a serviços”, defendeu André Urani, do Iets. “Trata-se de um problema de eficiência do Estado. No Rio, a máquina pública que encontramos era a pior possível, e estamos conseguindo modernizá-la”, argumentou o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno.  

“É triste a gente constatar que o gato também está disseminado entre quem pode pagar. Nos condomínios horizontais da Barra, ele chega a 27% do consumo”, lamentou o vice-presidente da Light, Roberto Alcoforado. “A questão é cultural. A leniência com que se convive com a contravenção no Rio é absurda”, afirmou o empresário David Zylbersztajn. “O problema está na impunidade”, ponderou Alessandro Cucco, da Osteria. “Estamos vivendo o ápice do homem cordial de que falava Sérgio Buarque de Holanda. É a cordialidade da própria República”, conclui a professora Maria Helena Frota. 

Público e palestrantes chegaram ao fim da noite com a certeza de que, cultural ou não, a informalidade precisa ser combatida para que possamos progredir. Mas como sair da indignação pessoal para uma ação coletiva mais eficaz? Quem deu a pista foi o presidente da Light, José Luiz Alqueres: “Nós nos retraímos num gueto, atrás das grades dos nossos edifícios e da blindagem dos nossos carros. Precisamos virar o jogo. E essa virada começa num culto obsessivo a um valor central que queremos semear aqui – participação!”.

* O OsteRio é um encontro que acontece na Osteria dell'Angolo todas as segundas-feiras, às 20h, recebendo intelectuais, artistas, profissionais liberais, acadêmicos, políticos e o público em geral para discutir o futuro da cidade do Rio de Janeiro. O restaurante prepara cardápios especiais para cada um dos eventos. Para participar, basta se inscrever pelo email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..